[O BOM COMBATE]

Ruy Ventura

          Em Portugal, vencem os espertos, não os inteligentes. O diagnóstico de Raul Brandão continua válido. Para nossa desgraça, na Cultura e noutros domínios “Pouco vale a verdade dos pequenos! / Tudo neles vale menos; a cobiça / Em lugar da Justiça reina agora”, escreveu Frei Agostinho da Cruz. Se canastrões com notoriedade berrarem, tudo lhes será dado em dinheiro e visibilidade. Quem não sabe ou não pode vociferar sobreviverá na penúria e talvez desapareça – criadores sem cunhas, cidadãos sem voz, património abandonado, obras de arte abastardadas pelos seus infiéis depositários. Tem sido sempre assim.
         Há depois gestores da república que descartam crianças e jovens com políticas educativas iníquas. Ao decretarem a rasura da exigência, instituindo um facilitismo inconsequente, promovem a sua menorização mental e a mais vil reprodução social. Que pensamento livre e crítico terão muitos miúdos se lhes retiram os instrumentos que tornariam possível o seu usufruto pleno da verdadeira Cultura? Vai-lhes valendo a consciência de tantas famílias, a resistência de professores e escolas que não abdicam do seu dever, contrariando as pressões políticas e académicas, as mais ardilosas seduções. São, infelizmente, gotas num deserto ignaro. Creio, todavia, na rega gota a gota. Fará toda a diferença. Daí nascerão e crescerão seres pensantes que saberão distinguir à légua as mais ardilosas manipulações, que rejeitarão espectáculos indignos, mas sedutores, topando-lhes o vazio e os seus diabólicos propósitos.
         Faria falta a Portugal uma política que invertesse esta marcha perigosa, exaltando os descartados e derrubando os estéreis influentes. Se vivemos sob a “cultura do descarte”, é necessário um antídoto contra uma sociedade que presta culto ao “deus dinheiro”, afastando tudo quanto não produza ou dê lucro. A proposta é do Papa Francisco. Não serão muitos os que têm capacidade para resistir aos ardis da finança, da fama e do poder, àqueles que reduzem a “cultura” a uma indústria conformista e degradante. Salvaguardar é todavia preciso. Ninguém, tendo capacidades, poderá voltar costas ao bom combate contra a iniquidade de uma globalização económica que descarta Deus e os homens, sobretudo os humildes, como trastes sem valor.

(Artigo publicado no suplemento de Natal do jornal "Correio da Manhã", a 24/12/2018.)

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