José Luís Peixoto
texto lido na apresentação de Assim se deixa uma casa (de RV) e Dias, Fumo (de Antonio Sáez Delgado (livraria Ler Devagar, Lisboa, 8 de Março de 2004) - inédito
Não sei se sou capaz de apresentar estes livros. (Não sei se sou capaz de apresentar qualquer livro.) É mais fácil apresentar pessoas: diz-se o nome, aponta-se para a pessoa e já está. Apontamos para uma expressão, que pode ser um sorriso, apontamos para alguém que diz: muito prazer em conhecê-lo. E fica uma incógnita que poderá, ou não, ser descoberta. (Se calhar, apresentar livros também é assim. Falamos sobre o livro, como se sorríssemos, recomendamos o livro, como se disséssemos: muito prazer em conhecê-lo; mas aquilo que apresentamos de facto permanece sempre uma incógnita que os outros só poderão descobrir com a leitura.) Ainda assim, gostava de tentar. Embora me sinta incapaz à partida. (Nunca serei capaz de ser a voz de todas as leituras destes livros. Nunca serei capaz sequer de ser a voz de todas as leituras que eu próprio fiz destes livros, porque todos os livros são diferentes consoante nós próprios. Nós somos o espelho que reflecte os livros. Nós somos espelhos imperfeitos, diferentes todos os dias.) Ainda assim, gostava de tentar.
São dois livros irmãos. Um deles foi escrito pelo Antonio e traduzido pelo Ruy. O outro foi escrito pelo Ruy e traduzido pelo Antonio. Como quando se apresenta uma pessoa, os seus nomes. O livro do Antonio chama-se “Dias, Fumo”. O livro do Ruy chama-se “Assim se deixa uma casa”. Agora, como se apontasse para os seus rostos, para as suas expressões, talvez um sorriso, poderia dizer que estes livros são diferentes entre si: “Dias, Fumo” é a colecção de três pequenas partes; “Assim se deixa uma casa” é constituído por um único núcleo temático. No entanto, se dissesse isto, se tivesse utilizado estas palavras para apresentá-los, teria dito pouco porque, de facto, “Dias, Fumo” fala de uma unidade e “Assim se deixa uma casa” é também um livro de multiplicidade. Estes são dois livros irmãos e parece-me melhor, mais certo, dizer que são dois livros onde existem cidades, Portalegre, Badajoz: (de “Assim se deixa uma casa”) “ah Portalegre Portalegre, rua de Monforte traçando / talvez dentro da cidade (na Rua do Bargado ou no Atalaião) / o princípio e o fim das torres e dos palácios”; (de “Dias, Fumo”) “Não posso afastar da minha mente o maravilhoso empedrado da Plaza de San Andrés, que alguns chamam de Cervantes. Oxalá alguém venha a calcetar o mundo desta forma, digo para mim mesmo.” Mas, melhor, mais certo, é dizer que nestes dois livros existem duas casas. Há as casas e a história das casas. Há a tinta que envelhece nas paredes como o papel envelhece nos livros, há as escadas que abandonamos quando perdemos tudo, há as janelas fechadas. Toda a gente esqueceu as casas. Só o tempo e o mundo recordam as casas, porque o tempo e o mundo não esquecem nunca os seus filhos. Agora, poderíamos olhar realmente para os rostos destes livros. A única forma, aquela que me ocorre como mais fiel, é ler alguns dos seus versos.
“Dias, Fumo” pág. 17
Outra vez as estantes.
“Assim se deixa uma casa” pág. 59
o edifício – o nascimento
As palavras são o rosto dos livros. As pessoas existem por detrás dos rostos, os livros existem por detrás das palavras. Não sei se sou capaz de apresentar estes livros. Eu apenas queria dizer que gostei muito de lê-los, apenas queria dizer que foi importante para mim. Mas não sei como dizer verdades tão simples. Digo: gostei muito de ler estes livros. Digo: ler estes livros foi importante para mim. Mas sei que as pessoas já não acreditam nas palavras simples. O amor, a sinceridade, a simplicidade são palavras que poucas pessoas permitem a si próprias. Já não estão na moda. As palavras amor, sinceridade, simplicidade deixaram de ser contemporâneas. E eu não sei, sem elas, falar dos livros do Antonio e do Ruy. Gostei muito de ler estes livros. Ler estes livros foi muito importante para mim. Mas não sei se sou capaz de apresentá-los. Resta-me esperar que seja suficiente dizer o seu nome, o seu título, “Dias, Fumo”, “Assim se deixa uma casa”, apontar para os seus rostos, e esperar que outros rostos, os leitores, os leiam e dêem sentido, lhes estendam a mão e digam, com amor, sinceridade e simplicidade, muito prazer em conhecê-los.
texto lido na apresentação de Assim se deixa uma casa (de RV) e Dias, Fumo (de Antonio Sáez Delgado (livraria Ler Devagar, Lisboa, 8 de Março de 2004) - inédito
Não sei se sou capaz de apresentar estes livros. (Não sei se sou capaz de apresentar qualquer livro.) É mais fácil apresentar pessoas: diz-se o nome, aponta-se para a pessoa e já está. Apontamos para uma expressão, que pode ser um sorriso, apontamos para alguém que diz: muito prazer em conhecê-lo. E fica uma incógnita que poderá, ou não, ser descoberta. (Se calhar, apresentar livros também é assim. Falamos sobre o livro, como se sorríssemos, recomendamos o livro, como se disséssemos: muito prazer em conhecê-lo; mas aquilo que apresentamos de facto permanece sempre uma incógnita que os outros só poderão descobrir com a leitura.) Ainda assim, gostava de tentar. Embora me sinta incapaz à partida. (Nunca serei capaz de ser a voz de todas as leituras destes livros. Nunca serei capaz sequer de ser a voz de todas as leituras que eu próprio fiz destes livros, porque todos os livros são diferentes consoante nós próprios. Nós somos o espelho que reflecte os livros. Nós somos espelhos imperfeitos, diferentes todos os dias.) Ainda assim, gostava de tentar.
São dois livros irmãos. Um deles foi escrito pelo Antonio e traduzido pelo Ruy. O outro foi escrito pelo Ruy e traduzido pelo Antonio. Como quando se apresenta uma pessoa, os seus nomes. O livro do Antonio chama-se “Dias, Fumo”. O livro do Ruy chama-se “Assim se deixa uma casa”. Agora, como se apontasse para os seus rostos, para as suas expressões, talvez um sorriso, poderia dizer que estes livros são diferentes entre si: “Dias, Fumo” é a colecção de três pequenas partes; “Assim se deixa uma casa” é constituído por um único núcleo temático. No entanto, se dissesse isto, se tivesse utilizado estas palavras para apresentá-los, teria dito pouco porque, de facto, “Dias, Fumo” fala de uma unidade e “Assim se deixa uma casa” é também um livro de multiplicidade. Estes são dois livros irmãos e parece-me melhor, mais certo, dizer que são dois livros onde existem cidades, Portalegre, Badajoz: (de “Assim se deixa uma casa”) “ah Portalegre Portalegre, rua de Monforte traçando / talvez dentro da cidade (na Rua do Bargado ou no Atalaião) / o princípio e o fim das torres e dos palácios”; (de “Dias, Fumo”) “Não posso afastar da minha mente o maravilhoso empedrado da Plaza de San Andrés, que alguns chamam de Cervantes. Oxalá alguém venha a calcetar o mundo desta forma, digo para mim mesmo.” Mas, melhor, mais certo, é dizer que nestes dois livros existem duas casas. Há as casas e a história das casas. Há a tinta que envelhece nas paredes como o papel envelhece nos livros, há as escadas que abandonamos quando perdemos tudo, há as janelas fechadas. Toda a gente esqueceu as casas. Só o tempo e o mundo recordam as casas, porque o tempo e o mundo não esquecem nunca os seus filhos. Agora, poderíamos olhar realmente para os rostos destes livros. A única forma, aquela que me ocorre como mais fiel, é ler alguns dos seus versos.
“Dias, Fumo” pág. 17
Outra vez as estantes.
“Assim se deixa uma casa” pág. 59
o edifício – o nascimento
As palavras são o rosto dos livros. As pessoas existem por detrás dos rostos, os livros existem por detrás das palavras. Não sei se sou capaz de apresentar estes livros. Eu apenas queria dizer que gostei muito de lê-los, apenas queria dizer que foi importante para mim. Mas não sei como dizer verdades tão simples. Digo: gostei muito de ler estes livros. Digo: ler estes livros foi importante para mim. Mas sei que as pessoas já não acreditam nas palavras simples. O amor, a sinceridade, a simplicidade são palavras que poucas pessoas permitem a si próprias. Já não estão na moda. As palavras amor, sinceridade, simplicidade deixaram de ser contemporâneas. E eu não sei, sem elas, falar dos livros do Antonio e do Ruy. Gostei muito de ler estes livros. Ler estes livros foi muito importante para mim. Mas não sei se sou capaz de apresentá-los. Resta-me esperar que seja suficiente dizer o seu nome, o seu título, “Dias, Fumo”, “Assim se deixa uma casa”, apontar para os seus rostos, e esperar que outros rostos, os leitores, os leiam e dêem sentido, lhes estendam a mão e digam, com amor, sinceridade e simplicidade, muito prazer em conhecê-los.
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