Ruy Ventura:
esboço de uma biobibliografia




Filho de um natural do concelho de Marvão e de mãe nascida no termo de Portalegre, Ruy Ventura descende de alentejanos da região da Serra de São Mamede, tendo entre os seus ascendentes paternos alguns judeus de Castelo de Vide supliciados pela Inquisição de Évora. A sua árvore genealógica revela ainda na sua ascendência minhotos da região de Ponte de Lima, bem como de alguns migrantes espanhóis, nomeadamente extremenhos, bascos e andaluzes. Parece que houve ainda um antepassado seu, de apelido Petiti, que proveio do Piemonte, no norte de Itália.

Registado como Rui Pedro Biscainho Ventura (o “y” - littera pithagorica - é homenagem aos poetas Ruy Belo e Ruy Cinatti, dois cristãos católicos como ele…), nasceu no Hospital da Misericórdia da cidade de Portalegre, junto da igreja do Espírito Santo, corria a madrugada de 27 de Dezembro de 1973, dia do apóstolo e evangelista São João. Não cessara ainda esse ano quando uma urgência médica o enviou para um hospital pediátrico de Lisboa. Regressou ao norte do Alentejo já em 1974 – e a essa data se sucederam 21 anos de vida e crescimento numa das aldeias serranas da região, Carreiras, povoação situada a 7 quilómetros da vila de Castelo de Vide. (Nessa freguesia, tinham propriedades os sogros do poeta Francisco Bugalho, ou seja, os avós maternos dessoutra voz da poesia portuguesa, Cristovam Pavia.) Infelizmente, vê-se obrigado a afirmar que “as ruas das Carreiras, onde [nasceu], após ter visto a luz em Portalegre e sangue novo em Lisboa, já não existem” – embora continue “a regressar a [esse] espaço, como se regressasse chamado pela voz dos sinos”…

Toda a sua infância e toda a sua adolescência se viram envolvidas pelos ritmos de uma natureza agreste e resistente e pela poesia da tradição oral, bem como pelo mistério emanado pelas lendas que rodeavam e rodeiam vários marcos do património material da região, nomeadamente o castelo de Marvão e as ruínas romanas da cidade de Ammaia, em São Salvador da Aramenha. Esta dupla fecundação originou em si uma planta bifurcada, que ainda continua a crescer. De um mesmo tronco, saem duas fortes pernadas: do lado esquerdo, a Poesia e a Arte, em sentido lato, como imposição interior e “instrumentos do Espírito”; do lado direito, a necessidade de investigar o devir da História humana, das estruturas interiores e exteriores da ocupação do espaço pelo Homem e da produção de verdade, bondade e beleza a partir desses espaços, bem como de todas as estratégias inerentes à sua nomeação.

Licenciado em Línguas e mestre em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, desde 1995 que exerce actividade profissional docente, maioritariamente no 2º. Ciclo do Ensino Básico, mas também no Ensino Superior, onde leccionou Literatura Portuguesa, Literatura Tradicional e Cultura Portuguesa e exerceu as funções de formador de professores do Ensino Básico. Pertencente ao grupo daqueles que se viram obrigados a deixar o Alentejo, mas nunca o abandonarão, actualmente é professor na Península da Arrábida, na cidade de Setúbal.

Iniciou a sua actividade literária na primeira metade dos anos 90 do século passado. Em 1997, um júri da Associação Portuguesa de Escritores – constituído por Fiama Hasse Pais Brandão, Fernando Pinto do Amaral e Urbano Tavares Rodrigues – atribuiu o Prémio Revelação de Poesia ao seu primeiro livro, Arquitectura do Silêncio. Desde a edição dessa obra, no ano 2000, tem publicado regulamente outras obras: Sete capítulos do mundo (2003); Assim se deixa uma casa (2003); Chave de ignição (2009); Instrumentos de sopro (2010); Contramina (2012); e Detergente (2016). Em Espanha, deu à estampa Un poco más sobre la ciudad (2004), El lugar, la imagen (2006) e Campo de la Verdad (2013). A sua terceira colectânea foi, entretanto, traduzida nos Estados Unidos da América, num projecto cultural editado em San Francisco (Califórnia). Publicou, no Brasil (São Paulo), a antologia Rua da Outra Rua (2014) e em Espanha (Badajoz) a colectânea Poemas - Arqueologia (2015).

Tendo participado em múltiplas antologias poéticas, organizou algumas, nomeadamente Poetas e Escritores da Serra de São Mamede (2002), Em memória de J. O. Travanca-Rêgo e Orlando Neves (2005) e a Antologia Poética, de Frei Agostinho da Cruz (2019). Orientou ainda os livros Contos e Lendas da Serra de São Mamede (2005) e José do Carmo Francisco, uma aproximação (2005), bem como a publicação na Apenas Livros de uma parte da literatura tradicional de Castelo de Vide, Marvão e Portalegre (de que saíram, em 2013, três cadernos). Editou poemas e ensaios em variadíssimas publicações periódicas portuguesas, brasileiras, espanholas, italianas e norte-americanas, tendo assinado prefácios ou posfácios de algumas obras literárias editadas em Portugal e no Brasil. Coordenou, com Nicolau Saião, o suplemento cultural Fanal do jornal O Distrito de Portalegre (2000-2003). Tem proferido palestras nalgumas instituições portuguesas, espanholas e italianas e foi, ainda, colaborador dos volumes de actualização do Dicionário de Literatura, de Jacinto do Prado Coelho. Presentemente, dirige com Nuno Matos Duarte a revista ibero-americana de cultura Devir (publicada nas edições Licorne, de Évora). Editou, em 2017, o ensaio A Chave de Sebastião da Gama e em 2018 o volume Sob os braços da azinheira - Leituras de Fátima.

Obras literárias suas estão publicadas em espanhol, francês, inglês, italiano e alemão. Tem, além disso, algum trabalho como tradutor literário, sendo autor das versões portuguesas de vários livros e poemas de autores espanhóis (Antonio Sáez Delgado, Ángel Campos Pámpano, José María Cumbreño, Alberto Corazón, entre outros); nesse âmbito traduziu ainda, para a Fundación Academia Europea de Yuste, um livro de poemas de um autor belga (Anton van Wilderode) sobre últimos anos de vida do imperador Carlos V. Tem sido também, esporadicamente, jurado nalguns prémios de poesia. A sua actividade literária e cultural vem sendo registada numa página pessoal (http://www.ruyventura.blogspot.com/), onde estão publicadas nomeadamente algumas opiniões e críticas sobre a sua produção poética.

Desde o início da década de 1990 que se dedica, em paralelo (ou nem tanto…), a uma actividade como investigador nas áreas do património imaterial (literatura tradicional e toponímia) e do património material (nomeadamente arte e arquitectura sacras). Neste âmbito, tem vários artigos publicados na imprensa, nomeadamente no semanário O Distrito de Portalegre (hoje extinto) e nas revistas culturais A Cidade (Portalegre), Ibn Maruán (Marvão), Elvas – Caia (Elvas), Calipole (Vila Viçosa), Sol XXI (Lisboa), Al-Rihana (Aljezur) e Invenire (Lisboa), tendo ainda participado nas Jornadas de Toponímia de Lisboa. Desde há algum tempo é coordenador das páginas electrónicas “Arquivo do Norte Alentejano” (http://www.nortealentejano.blogspot.com/) e “Arquivo d’ Aljezur” (http://www.arquivodaljezur.blogspot.com/). Com temática variada, esses artigos têm reflectido sobre o património religioso do norte alentejano, as torres senhoriais da região de Portalegre, a toponímia antiga e/ou medieval, as “Memórias Paroquiais”, o romanceiro tradicional e/ou popular e as representações de algumas figuras históricas (D. Carlos, vg.) na literatura oral. Neste seu trabalho de investigação, podem destacar-se os livros Memória d' Alva (sobre a igreja matriz de Aljezur, 2010), Santo António na Região de Portalegre (2013), O eixo e a árvore - notas sobre a sacralização do território arrábido (2014) e Notas sobre a história da igreja paroquial de Odesseixe (2014).

Colabora com a Pastoral da Cultura, o Secretariado Nacional dos Bens Culturais da Igreja e a Diocese de Setúbal, onde é responsável pelas comemorações do IV Centenário da Morte de Frei Agostinho da Cruz. É colaborador da Cátedra Poesia e Transcendência, da Universidade Católica Portuguesa - Porto, integrando nomeadamente a equipa de investigadores do projecto Teotopias, coordenada por José Rui Teixeira.

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