Nuno Rebocho

Vozes que enxotam silêncios
[sobre livros de António Cabral, Joaquim António Emídio, Orlando Neves e RV]
O Primeiro de Janeiro, Porto, 17 de Abril de 2004.


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5. “haverá sempre alguém acenando para a mesa”: tomo este verso de Ruy Ventura em “Assim se deixa uma casa” (edição “Alma Azul”). Nele se patenteia o modo do autor portalegrense – o ritmo interno e contido do discurso a inventariar as coisas simples que preenchem e fazem a vida, somatório de momentos. Porque se habita a casa como se habita o poema: com as sensações que nela se contêm, com os gestos e os factos, com a memória. Escrever a casa, pedra a pedra, verso a verso, até ao momento em que a janela fechada, que retém as coisas, se abre e quem desabita, sai, deixa a casa, muda-se. É metáfora.
Em Ruy Ventura surpreende uma facilidade (só aparente) tão “novíssima”, afinal, quanto Vergílio: novidadade, em literatura, é apenas redescoberta, tal qual a modernidade é clássica. Pressentem-se em Ventura seivas que estão na árvore da “Poesia 61” e que alimentam as folhas para outra respiração. Ele pesa e sobrepesa a palavra, ciente de que ela transporta mais do que som e letras, e a exactidão é o seu adorno.
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