Catarina Nunes de Almeida
“Imagens da cidade na novíssima poesia portuguesa”
Jovens Ensaístas Lêem Jovens Poetas. (Coordenação de Pedro Eiras), Porto, Deriva Editores, 2008: 58 – 59.
[…]
Quando cultiva a matéria ficcional que a metrópole lhe oferece, o poeta propõe quase sempre cidades dentro da cidade. O resultado é a aparição de cenários híbridos, talhados às luz de um certo realismo mítico. Interessante será explorar o facto de que na nova poesia portuguesa, ocasionalmente, a natureza ainda invada a c idade. O tema não é frequentado de modo significativo, ao ponto de podermos considerar o típico binómio cidade/campo tantas vezes estudado – não encontraremos por certo a giga de frutos, à cabeça de uma pobre vendedeira, que cruza o bairro moderno – porém, existem outros pequenos sinais, que graciosamente anunciam o natural, e que aliam uma vez mais o campo a uma dimensão libertadora. Essa ponte é projectada, com grande tenacidade, em alguns momentos de Arquitectura do Silêncio, de Ruy Ventura:
3.
lá dentro depois do portão fechado
tudo lembra a imprevista pontuação dos astros
cada
minuto
vale apenas como instrumento
secreta passagem para outros nomes
uma maçã comida pela madrugada
o ponteiro do relógio esperando encontrar nas cores
o fumo e as formas da natureza
4.
entre os ramos apenas a paisagem se prolonga
como se ninguém visse
tudo ou quase tudo vai guardando a identidade das coisas
geometria que sob as lâmpadas e o passar dos autocarros
vai desenhando a luminosidade
dos horizontes
[…]
No pequeno quintal, depois do portão fechado, um microcosmo edénico principia. Salvo por uma paz verde, o que existia no mundo, para o sujeito, acabou ali, como se murmurasse “santuário”, e a cidade se fechasse atrás de si. […]
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