José Mário Silva
“Personagens em busca de um lugar abstracto”
[sobre livros de Ana Francisco e RV]
Diário de Notícias, 19 de Agosto de 2003.
[...]
De outra índole, menos sarcástica e mais melancólica, é a “narrativa” de Ruy Ventura. Organizada em 46 fragmentos poéticos que contam uma história (de dissipação e de perda), a escrita procura imagens de impossível nitidez: “fotografo tudo, / mas nada encontro / para revelar”. Há caminhos que sugerem regressos à casa que é também um corpo, um tempo para sempre perdido. E as cartas-poemas, essas, nunca chegarão a lado nenhum (porque partem já sem destinatário).
*
“Lições de toponímia e interpretação da luz”
[sobre livros de António Sáez Delgado e RV]
Diário de Notícias, 8 de Janeiro de 2004.
Na origem destes dois pequenos livros, publicados de uma assentada pela Alma Azul, está uma história de amizade transfronteiriça. Poetas da raia, o português Ruy Ventura e o espanhol Antonio Sáez Delgado cruzaram-se nalguns dos muitos nós (a revista Espacio / Espaço Escrito, por exemplo) de que é feita a rede de comunicação informal que vai unindo, e dando mutuamente a conhecer, os artistas que a antiga fronteira ainda separa.
Do diálogo nasceram poemas. Dos poemas nasceram traduções. Ruy Ventura traduziu Sáez Delgado para o português e Sáez Delgado traduziu Ruy Ventura para castelhano. Debaixo do mesmo tecto, os dois livros ganharam forma, contornos, um rosto. Há neles um lastro comum, a mesma demanda melancólica do que fica para lá do silêncio, sinais comuns (a casa, as sombras do passado, os livros, a “poeira que cobre sem remédio o mundo”) e uma voz de timbre semelhante, mesmo se a melancolia que cantam nem sempre coincide.
[...]
De desmoronamentos menos físicos, menos visíveis, falam os poemas de Ruy Ventura. Este é um universo fechado, somatório de enumerações e enquadramentos fotográficos. Os versos são degraus por onde sobem imagens duma despedida, de uma ausência em curso. A casa esvazia-se mas permanece de pé – “estátua de areia / num jardim de inverno”. Há um cântaro que guarda o “caminho entre a fonte / e a alegria”. O texto, esse, arde na sua opacidade. Porque é “ao mesmo tempo / luz e interpretação da luz”.
“Personagens em busca de um lugar abstracto”
[sobre livros de Ana Francisco e RV]
Diário de Notícias, 19 de Agosto de 2003.
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De outra índole, menos sarcástica e mais melancólica, é a “narrativa” de Ruy Ventura. Organizada em 46 fragmentos poéticos que contam uma história (de dissipação e de perda), a escrita procura imagens de impossível nitidez: “fotografo tudo, / mas nada encontro / para revelar”. Há caminhos que sugerem regressos à casa que é também um corpo, um tempo para sempre perdido. E as cartas-poemas, essas, nunca chegarão a lado nenhum (porque partem já sem destinatário).
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“Lições de toponímia e interpretação da luz”
[sobre livros de António Sáez Delgado e RV]
Diário de Notícias, 8 de Janeiro de 2004.
Na origem destes dois pequenos livros, publicados de uma assentada pela Alma Azul, está uma história de amizade transfronteiriça. Poetas da raia, o português Ruy Ventura e o espanhol Antonio Sáez Delgado cruzaram-se nalguns dos muitos nós (a revista Espacio / Espaço Escrito, por exemplo) de que é feita a rede de comunicação informal que vai unindo, e dando mutuamente a conhecer, os artistas que a antiga fronteira ainda separa.
Do diálogo nasceram poemas. Dos poemas nasceram traduções. Ruy Ventura traduziu Sáez Delgado para o português e Sáez Delgado traduziu Ruy Ventura para castelhano. Debaixo do mesmo tecto, os dois livros ganharam forma, contornos, um rosto. Há neles um lastro comum, a mesma demanda melancólica do que fica para lá do silêncio, sinais comuns (a casa, as sombras do passado, os livros, a “poeira que cobre sem remédio o mundo”) e uma voz de timbre semelhante, mesmo se a melancolia que cantam nem sempre coincide.
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De desmoronamentos menos físicos, menos visíveis, falam os poemas de Ruy Ventura. Este é um universo fechado, somatório de enumerações e enquadramentos fotográficos. Os versos são degraus por onde sobem imagens duma despedida, de uma ausência em curso. A casa esvazia-se mas permanece de pé – “estátua de areia / num jardim de inverno”. Há um cântaro que guarda o “caminho entre a fonte / e a alegria”. O texto, esse, arde na sua opacidade. Porque é “ao mesmo tempo / luz e interpretação da luz”.
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