INSTRUMENTOS EM LISBOA





A apresentação de Instrumentos de Sopro ontem, 1 de Junho, em Lisboa, foi (quanto a mim) muito interessante. Não pelo "pretexto", mas pelo "texto" que fez nascer. Tanto quanto a minha memória alcança, nunca numa sessão nascida de um livro meu se dialogou tanto e tão profundamente sobre a Arte, a Poesia e a Poética.

O pintor e poeta Fernando Aguiar apresentou uma leitura simples, mas atenta, do livro - realçando dois dos seus pilares: a memória e a visualidade.

No que respeita às minhas palavras, fiz questão de realçar que esta colectânea representa destruindo a representação, narra demolindo a narração (como acontece, aliás, noutros livros meus).

Lembrando A Capital, de Eça de Queirós, sublinhei a sua actualidade como crónica do meio literário português do nosso tempo, onde pontificam Romas e mais Romas que vão obrigando tantos Curvelos à desistência. No momento em que vivemos, a vitalidade artística precisa contudo de quem lhes resista e vá persistindo num caminho doloroso e paciente, contra-cultural. Explicando o significado do título Instrumentos de Sopro (expressão de matérias e anti-matérias que insuflam/insuflaram vida na existência), manifestei a minha convicção na existência de dois campeonatos, inconciliáveis, na produção artística contemporânea: de um lado, o campeonato da notoriedade pública; do outro, aquele que é jogado por quantos tentam servir a Arte, humildemente (isto é, ligados à húmus, à fertilidade), sem esperarem prebendas nem passeios pagos.

No seguimento dessas intervenções, estabeleceu-se um período de debate muito participado, no qual intervieram nomeadamente José Carlos Marques (editor do livro), Levi Condinho, Manuel Herculano (da Associação Sebastião da Gama), Joaquim Cardoso Dias e Rui Almeida, para além dos supracitados. Questionou-se a estética contemporânea, sobretudo o seu anacronismo e sua miopia histórica, que todos os dias afirma inventar a roda, quando ela já foi inventada há tantos milénios. Abordou-se ainda a importância da poesia experimental e do seu contributo para o refrescamento da poesia portuguesa - que tanto necessita de ser posta em causa, ou seja, que tanto precisa da incerteza, para não continuar a fazer a tal roda quadrada.



(Como apontamento final, gostaria de agradecer a gentileza da gerência do ginásio Body Plaza, que criou todas as condições para um acontecimento digno. Agradeço ainda ao poeta Joaquim Cardoso Dias a captação de imagens para memória futura.)

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