Maria Teresa Lobato

SOBRE INSTRUMENTOS DE SOPRO


[...] A obra poética de Ruy Ventura tem vindo a crescer e a revelar-se como da melhor poesia que se escreve na actualidade. É tão difícil falar dela como das memórias e dos lugares a que ela nos obriga - e ainda bem - a visitar, tão vastas são as referências a que as palavras do poeta nos reportam.
Assim se concebe a literatura, assim se concebem essas palavras colocadas no sítio certo, no exacto momento em que da sombra nasce a luz.
 
(Publicado em http://talvezpeninsula.blogspot.com/2010/04/instrumentos-de-sopro.html)



[...]

A poesia de Ruy Ventura é marcada pelo compasso da enxada que lavra a terra. Um compasso binário, ritmado ao som da ondulação de uma seara, talvez seca pelo estio, mas fértil, enquanto nos ofereça os versos em forma de semente, os poemas em forma de espiga, dádiva, mas não gratuita, sofrida. (...)
Poeta da terra, poeta da ceifa, R.V. despreza o recurso a enfeites e concentra-se no essencial: eis aqui este campo que precisa ser lavrado.

Ruy Ventura's poetry is marked by the beat of the hoe to till the land. A binary beat, to the rhythmic sound of the waves of a harvest, perhaps by summer drought, but fertile, while offering us the verses in seed means, the poems in the make of spike, donation, but not free, suffered. (...) Poet of the soil, poet of reaping, R.V. despises the use of ornaments and focuses on the essential issues: here is this field that needs to be plowed.

[...]

Do autor e da obra saída agora através das Edições Sempre-em-Pé fica este poema:



síntese


guardarei do teu rosto
apenas o nome:
a dor do espinho rasgando a pele
para que nela entre uma palavra
somente uma palavra
gravada na coluna
que sustentava a nossa infância.

o mel e o azeite reúnem-se
entre flores e mantas de musgo.
mesmo no interior da cidade
o pão reveste-nos de sombra
o teu nome reveste-nos de dor
nesta noite em que vigiamos
o forno do alto da mais alta torre.

pouco ficou da viagem:
o rio nutrindo-se da ponte e da figueira,
o teu nome alimentando
o sangue
que guardo neste poema.



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synthesis



from your face I will just
preserve the name:
the pain of the thorn tearing the skin
for it a word can come
just one word
printed in the column
that held our childhood.

honey and olive oil rejoin
among flowers and webs of moss.
even within the city
bread takes us from the shadow
your name brazes us from pain
in this night when we watch
the oven from the top of the tallest tower.

little remained of the trip:
the river feeding on the bridge and the fig tree,
feeding your name
the blood
I save within this poem.

(tradução de Teresa Lobato)
 
(Publicado em http://talvezpeninsula.blogspot.com/2010/04/instrumentos-de-sopro-apresentacao.html)
INSTRUMENTOS DE SOPRO



Apresentação na Biblioteca da Escola Básica de Azeitão





Aceitei com relutância inicial o convite da directora da Biblioteca Escolar para apresentar o meu novo livro no lugar onde trabalho. Ao longo destes anos de existência poética (não de "vida literária"), se nunca quis separar desta actividade paralela as pessoas que todos os dias me acompanham na minha actividade docente, tentei sempre distinguir os dois mundos, o do ganha-pão daquele a que sou interiormente obrigado (o da escrita). Apenas pudor? Talvez.

A sessão decorreu, contudo, com uma dignidade ímpar. Todos os momentos acontecidos nesse 22 de Abril de 2010, vésperas do Dia Mundial do Livro, foram vividos de modo a ficarem na memória. Desde as intervenções das escritoras/colegas Teresa Martinho Marques e Teresa Lobato aos acordes à viola do Vasco e do Tiago, passando pelas palavras da Luísa Marques (directora da BE) e da Clara Félix (directora do Agrupamento de Escolas) e pela presença de alunos, encarregados de educação, colegas e amigos, alguns vindos de longe.

Na minha intervenção tentei sublinhar que Instrumentos de Sopro - sendo a reedição aumentada de um livro publicado em Espanha - é, sobretudo, a manifestação de diversos caminhos materiais que me levaram ao encontro do sopro (jubiloso ou doloroso) que transforma a existência em Vida. Aproveitei ainda para homenagear discretamente os poetas da terra, Frei Agostinho da Cruz e Sebastião da Gama, transmitindo aos presentes a minha convicção de que, mais importante do que escrever, o segredo está numa leitura constante e atenta dos outros.
INSTRUMENTOS DE SOPRO


Relembro que este livro é uma reedição aumentada de El lugar, la imagen - sobre a qual se escreveu o que pode ser lido aqui: http://ruyventura.blogspot.com/search/label/O%20lugar%20a%20imagem Os textos são assinados por Fernando Guimarães, José do Carmo Francisco e por Julián Rodríguez. Uma recensão de H. G. Cancela sobre Instrumentos de Sopro, datada de 22 de Abril de 2010, foi publicada em: http://contramundumcritica.blogspot.com/2010/04/ruy-ventura-instrumentos-de-sopro_22.html Mais vale uma crítica míope do que uma crítica inexistente. Dizer mal de um livro ou pôr-lhe reservas, mesmo quando essas reservas mostram um leitor apressado e pouco interessado em mergulhar para além das aparências, indica desde já uma adesão (quiçá mal resolvida).