JOÃO MIGUEL HENRIQUES
CHAVE DE IGNIÇÃO
Já aqui falei do poeta Ruy Ventura. Por duas ocasiões, creio. A propósito da tradução para o inglês do seu terceiro livro Assim Se Deixa Uma Casa (2003), e anunciando o lançamento do seu último título, Chave de Ignição (Labirinto, 2009). Foi este livro de matéria e sublimação que andei a ler, a espaços desiguais, nos últimos tempos. Incursões íntimas pelo comportamento físico do mundo próximo (paisagem, habitação), invariavelmente processadas no plano emocional e espiritual de um sujeito que caminha sempre muito para além dos limites do estrito, ainda que belíssimo, mapa sensorial. Um livro denso, de cuja pluralidade de sentidos e de virtudes formais não me cabe dar conta nestas breves palavras. Elas servem sobretudo para introduzir o poema que retirei do livro e que aqui se dá a conhecer.
[...]
Texto de João Miguel Henriques, publicado em 09/10/2009 no blogue Quartos Escuros:
http://quartosescuros.blogspot.com/2009/10/chave-de-ignicao.html
GONÇALO M. TAVARES
[prefácio de Chave de ignição, Labirinto, 2009]
“prefiro (…) a ligação do aço ao combustível”
Palavras que apontam para matérias e objectos – combustível, aço, dicionário, motor, chave – são de entre todas as que mais lembram essa energia que o choque físico entre o corpo e as coisas deixa sair. Porque entre o percurso de um ser vivo, o seu itinerário concreto, e os obstáculos do mundo, há, por vezes, avarias: o corpo falha e os obstáculos acertam; tropeçamos, somos derrubados. Porém, entre o choque e a queda, uma energia abandona – por convite do corpo – os objectos. E dos objectos transita para a atmosfera baixa. Daí, essa energia regressa de novo aos objectos – a sua origem – mas regressa já diferente.
O que Ruy Ventura procura é então esse encontro súbito e agressivo entre quem escreve e uma palavra; quebrar, pois, “o vidro que nos separa / do terramoto.”
[prefácio de Chave de ignição, Labirinto, 2009]
“prefiro (…) a ligação do aço ao combustível”
Palavras que apontam para matérias e objectos – combustível, aço, dicionário, motor, chave – são de entre todas as que mais lembram essa energia que o choque físico entre o corpo e as coisas deixa sair. Porque entre o percurso de um ser vivo, o seu itinerário concreto, e os obstáculos do mundo, há, por vezes, avarias: o corpo falha e os obstáculos acertam; tropeçamos, somos derrubados. Porém, entre o choque e a queda, uma energia abandona – por convite do corpo – os objectos. E dos objectos transita para a atmosfera baixa. Daí, essa energia regressa de novo aos objectos – a sua origem – mas regressa já diferente.
O que Ruy Ventura procura é então esse encontro súbito e agressivo entre quem escreve e uma palavra; quebrar, pois, “o vidro que nos separa / do terramoto.”
Maria Augusta Silva
“Chave de ignição”.
Notícias Sábado, nº. 195 (revista do jornal Diário de Notícias, nº. 51315), de 3 de Outubro de 2009: 60 – 61.
Em Chave de Ignição, de Ruy Ventura, há uma viagem poética de “fogo imenso” e de frios ou do “vento e sombra de vento”, circulando “entre duas agonias” porque “(…) a chuva não afasta / a poeira dos olhos / os ramos reverdecem, mas não existe água / que possa vencer / a sonolência da tarde.” O escritor Gonçalo M. Tavares assina a breve nota de abertura, sendo a capa de Nuno de Matos Duarte.
Cada instante dos poemas revela uma invulgar imagética, questionando-nos sobre a transmutação dos elementos da vida e da própria morte. A energia do dizer poético de Ruy Ventura encontramo-la igualmente em obras anteriores, de que destacamos Arquitectura do Silêncio, distinguida com o Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores (2000), e Assim se Deixa Uma Casa (2003). O “amplo sentido inventivo” da sua escrita foi já sublinhado por ensaístas como Fernando Guimarães.
A casa, o corpo, a terra, o sangue, a água, a árvore, o tempo, a memória, o fogo e a cinza são matérias essenciais na poetização de um autor que pergunta: “Que noite vivo?” e “deixa nas árvores o último grito”. E sente a “pele queimada nas raízes”, porém confiante em que a seiva não se perderá mesmo permanecendo a dor de muitas feridas.
Ruy Ventura chama também para as páginas deste seu trabalho vultos da literatura como José Régio, C. Ronald, Maria Gabriela Llansol e Fiama. No final, visita a palavra de Jesus de Nazaré segundo S. Lucas: “Quem tem ouvidos para ouvir, oiça!” Neste “epílogo”, o poeta é imenso na elaboração da metáfora, no choque das imagens (ao mesmo tempo cruento e sublime), avançando com a grande sabedoria: “(…) nada existe. tudo coexiste (…)”.
Em Chave de Ignição, de Ruy Ventura, há uma viagem poética de “fogo imenso” e de frios ou do “vento e sombra de vento”, circulando “entre duas agonias” porque “(…) a chuva não afasta / a poeira dos olhos / os ramos reverdecem, mas não existe água / que possa vencer / a sonolência da tarde.” O escritor Gonçalo M. Tavares assina a breve nota de abertura, sendo a capa de Nuno de Matos Duarte.
Cada instante dos poemas revela uma invulgar imagética, questionando-nos sobre a transmutação dos elementos da vida e da própria morte. A energia do dizer poético de Ruy Ventura encontramo-la igualmente em obras anteriores, de que destacamos Arquitectura do Silêncio, distinguida com o Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores (2000), e Assim se Deixa Uma Casa (2003). O “amplo sentido inventivo” da sua escrita foi já sublinhado por ensaístas como Fernando Guimarães.
A casa, o corpo, a terra, o sangue, a água, a árvore, o tempo, a memória, o fogo e a cinza são matérias essenciais na poetização de um autor que pergunta: “Que noite vivo?” e “deixa nas árvores o último grito”. E sente a “pele queimada nas raízes”, porém confiante em que a seiva não se perderá mesmo permanecendo a dor de muitas feridas.
Ruy Ventura chama também para as páginas deste seu trabalho vultos da literatura como José Régio, C. Ronald, Maria Gabriela Llansol e Fiama. No final, visita a palavra de Jesus de Nazaré segundo S. Lucas: “Quem tem ouvidos para ouvir, oiça!” Neste “epílogo”, o poeta é imenso na elaboração da metáfora, no choque das imagens (ao mesmo tempo cruento e sublime), avançando com a grande sabedoria: “(…) nada existe. tudo coexiste (…)”.
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