Ruy Ventura: Chave de Ignição, o novo livro




A apresentação pública do mais recente livro de Ruy Ventura, Chave de Ignição, teve lugar na sala polivalente da Biblioteca Municipal de Sesimbra, em 16 de Julho.
João Candeias, a quem coube a apresentação do livro, fez uma análise bastante exaustiva, mais geral e
global, desta publicação que organizou sob a forma de “seis apontamentos”, tendo, no último, afirmado:
Fizemos uma viagem tortuosa, enfrentámos muitos dos pesadelos que a vida nos traz, mas não queremos terminar sem revelar o que um dos últimos poemas do livro nos propõe, embora sem excessos de optimismo. É, de resto, um dos muito bons poemas deste livro.”
Foi, assim, com uma mensagem de vida que o apresentador concluiu, invocando o significado dos versos “um corpo nasce/ / para que eu possa morrer”, forma de dizer que a vida vence a morte, que a semente lançada à terra dará os seus frutos e se perspectiva, então, a continuidade de um planeta onde
todos poderemos habitar, mesmo com as atrocidades conhecidas, ainda que o risco seja imenso, mas afigurando-se o sonho como a possibilidade do impossível.
Ruy Ventura editou já em Portugal vários títulos de poesia, dos quais destacaremos: Arquitectura do Silêncio (2000), Sete capítulos do mundo (2003) e Assim se deixa uma casa (2003). Assinale-se, finalmente, a admiração que Ruy Ventura vem demonstrando pelo patrono da nossa Associação, Sebastião da Gama, tendo colaborado, ultimamente, no júri de selecção dos trabalhos concorrentes ao Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama, promovido pelas Juntas de Freguesia de S. Lourenço e de S. Simão, de Azeitão, e participado em eventos afins, como aconteceu com a palestra sobre a poesia de Sebastião da Gama e a sua ligação à Serra da Arrábida proferida no Salão Nobre da Câmara de Setúbal por ocasião das primeiras comemorações do Dia Municipal da Arrábida, associadas à data de aniversário natalício do poeta, em 10 de Abril, palestra cujo texto foi parcialmente reproduzido no nosso Boletim Informativo nº 5, de Junho de 2008.
O livro agora apresentado tem capa de Nuno de Matos Duarte e uma nota introdutória de Gonçalo M. Tavares. Entretanto, Ruy Ventura publicou já novo livro, INSTRUMENTOS DE SOPRO, com apresentação no Forum Picoas a 1 de Junho, às 18 horas.
 
 
(in Boletim informativo da Associação Cultural Sebastião da Gama, nº 10, maio de 2010)
Maria Teresa Lobato


INSTRUMENTOS DE SOPRO
DE RUY VENTURA



Devo confessar que tive alguma dificuldade em sintetizar o que este livro me sugere em termos de análise. Essa análise recairia, primeiramente, na escrita do poeta, mas também na relação que as suas palavras estabeleceram comigo. Porque é disso mesmo que se trata: o poeta para mim e não eu para o poeta.

Ou será que sim? Posso questionar. Estabelecida a relação escritor-leitor, estabelece-se a relação com o mundo, com as coisas belas que nos trazem a paz e com as coisas mais sombrias, que nos trazem a inquietação.

Porque se escreve? Para quem? Como se escreve? Eu sou a imagem que vejo reflectida no mundo. Porque escreve um poeta? Para quem escreve o poeta? Será lícito dissecarmos os poemas que alguém escreveu? É para conhecermos o poeta ou para nos conhecermos a nós mesmos?



*



A obra poética de Ruy Ventura tem vindo a crescer e a revelar-se como da melhor poesia que se escreve na actualidade. E é tão difícil falar dela como das memórias e dos lugares a que ela nos obriga – e ainda bem – a visitar, tão vastas são as referências a que as palavras do poeta nos reportam.



*



Em “aparição” (pp. 17 a 20) encontramos a busca constante de um abrigo, um pedido de socorro que pode surgir ou do nevoeiro que se ergue de cada poema, ou dos lugares sem espaço que o poeta inventa.

Catábase” (p. 23) apresenta-nos a busca da verdade, um caminho penoso e sem fim. “Nada…”, diz-nos o poeta. As casas, figuras poéticas que nos poderiam trazer alguma tranquilidade, surgem como fantasmas, disformes e voláteis, não nos permitindo nem repouso nem pousio, antes mais um passo na busca da verdade eterna que é a essência da vida.

Mas nem tudo é escuridão na poesia de Ruy Ventura. Como no poema “nudez” (pp. 50-51), há dias em que o sol brilha e das mãos do autor parecem nascer tardes claras, iluminadas pelo fogo do sentir que dá vida a palavras mortas: “nem ouro, nem prata”, “não encontro negrume nessa face”. Assim, o clarão do lume descobre os sentidos escondidos no poema, entre as linhas, frutos dessa alma que se reconstrói das cinzas, que se ergue no “cume da manhã”.



*



A poesia de Ruy Ventura não é uma poesia fácil. E dói. Dói aqui no peito, aqui na memória dos nossos dias. Porque incomoda, porque mexe connosco e nos faz questionar a essência da vida, da nossa vida. Não há roseiras floridas nem passarinhos a chilrear. Ruy Ventura prefere ser curto, despido de delicadezas de salão, reafirmando uma mão segura, firme, certa dos caminhos que quer percorrer. Nada é fácil, tudo se transforma.

Poeta do enfeite? Da escuridão nasce a luz. Assim se concebe a literatura, assim se concebem essas palavras colocadas no sítio certo, no exacto momento em que da sombra nasce a luz.



*



A poesia de Ruy Ventura é marcada pelo compasso da enxada que lavra a terra. Um compasso binário, ritmado ao som da ondulação de uma seara seca pelo estio, mas fértil, pronta a oferecer-nos os versos em forma de espiga, o poema em forma de dádiva, mas não gratuita, sofrida.

O nome e o verbo, símbolos da essência e da “coisa”, predominam na escrita de Ruy Ventura. O nome despido. O verbo completo. Porque bastam enquanto significantes, sem precisarem de rodeios. Como a espiga, nua, presa à terra, que, só por si, dará lugar aos alicerces, às paredes, enfim, à casa onde mora esta poesia pura.

Poeta da terra, poeta da ceifa, Ruy Ventura despreza o recurso à adjectivação e concentra-se no essencial. Eis aqui este campo que precisa de ser lavrado.



[Lido em Azeitão a 22 de Abril de 2010.]

Foi no dia 7 de Maio. A foto, contudo, só agora chega. Documenta a leitura de poemas ocorrida na Casa Fernando Pessoa no âmbito do Festival de Poesia "Tordesilhas". Da esquerda para a direita: Ruy Ventura, Eduardo Jorge, Virna Teixeira e João Miguel Henriques.
Convite à Poesia:
Ruy Ventura - Novo Livro



. . . ... INSTRUMENTOS DE SOPRO ... . . .


As Edições Sempre-em-Pé e o Autor, Ruy Ventura, têm o prazer de convidar à apresentação do livro Instrumentos de Sopro, que será feita pelo artista plástico Fernando Aguiar.

Data: Terça-feira, 1 de Junho, 18:00

Local: em Lisboa, no Ginásio Body-Plaza (entrada pela recepção), no Centro Comercial Picoas Plaza, Rua Tomás Ribeiro, 65, loja C.1.15, Metro de Picoas.

Estacionamento disponível no Centro Comercial, na garagem, entrada pela Rua Viriato.


Esta colectânea de poesia do autor de Chave de Ignição está integrada na colecção UniVersos (Edições Sempre-em-Pé, responsáveis pela revista de poesia DiVersos e outras edições de poesia). Inclui um prefácio do poeta brasileiro C. Ronald. Capa criada a partir de um óleo do pintor Nuno de Matos Duarte.
O livro agora publicado nasce da colectânea intitulada El lugar, la imagen, editada em Espanha pela Editora Regional da Extremadura no ano 2006, com tradução para castelhano de Antonio Sáez Delgado. Os poemas aí incluídos fazem agora parte da segunda secção do livro, que surge ladeada por mais dois volantes, um prólogo e um epílogo.
Edições Sempre-em-Pé agradecem o apoio da empresa Body Plaza (http://www.bodyplaza.pt/)

José do Carmo Francisco


«Instrumentos de Sopro»
de Ruy Ventura




Ruy Ventura (n. 1973) estreou-se em 2000 com «Arquitectura do Silêncio» (Prémio Revelação da APE) e tem neste recente «Instrumentos de Sopro» o seu sétimo título como poeta. Não se trata aqui de instrumentos musicais (trompete, trompa, cornetim, trombone, saxofone, órgão, acordeão ou harmónica) mas de memórias e reflexões sopradas ao poeta por monumentos, esculturas, pinturas, moedas, estelas funerárias ou ruínas. Um exemplo: na rua de São Julião em Lisboa uma igreja foi transformada em garagem de um Banco. No altar surgiu o deus Mamon em vez do Rei dos Reis e esta é a resposta do poema:



«a vizinhança não poderia consentir tal afronta / (apesar do incêndio, a vida ressuscitara / entre velas, mármores e frontais) / era preciso consumir de novo / a brancura do corpo / deixando apenas os ossos / e uma pele brilhante / mas ressequida».

«a incandescência das vozes / foi devorada pela incandescência dos motores. no trono / Mamon reina agora / sobre a falsidade da fachada».

«noutro lado – taberna, quarto / de cama, teatro ou sala de jantar. / mudaria o diálogo / mas não mudaria o povoamento».

«aqui, Mamon escarra nas paredes. / poderia ser de outro modo? / o dinheiro suja o olhar – e sem mistério».


(Edições Sempre em Pé, Capa: Nuno de Matos Duarte, Prefácio: C. Ronald)

Fonte: http://aspirinab.com/jose-do-carmo-francisco/um-livro-por-semana-181/#comments (a 9 de Maio de 2010).
UMA TRADUÇÃO ESPANHOLA



esta sala fue antaño un balcón.

de aquel tiempo quedaron una lámpara
una persiana para siempre abierta,
una ventana y un arriate
donde nacen y crecen flores de plástico.
ciertamente:
mi presencia no existía todavía.
aunque esta edad sobrepase la del aluminio,
que separa el jardín
y la casa



Ruy Ventura



(Traducido por El transcriptor)





[ESTA SALA FOI OUTRORA UMA VARANDA]





esta sala foi outrora uma varanda.
desse tempo ficaram um candeeiro,
uma persiana para sempre aberta,
uma janela e um alegrete
onde nascem e crescem flores de plástico.
decerto:
a minha presença não existia ainda.
embora esta idade ultrapasse a do alumínio,
separando o jardim
e a casa.



Sete Capítulos do Mundo, Black Sun Editores, Lisboa, 2003