DETERGENTE
lido por Victor Oliveira Mateus
Com Detergente, obra que tem como epígrafes um verso de
Cesário Verde e outro de Ruy Belo, Ruy Ventura instala-se deliberadamente numa
zona de interseção dos géneros literários: estamos perante uma dramaturgia onde
duas personagens vão dialogando? Perante dois monólogos justapostos onde duas
vozes poéticas se fazem ouvir, embora tangenciando-se aqui e ali? Ou estamos
perante um livro de poesia onde o dialógico ocorre em socorro de uma mensagem
de cariz transcendentalista e de uma acentuada função poética? Pessoalmente,
inclino-me para a última interpretação, daí ter lido (com muito agrado) esta
obra à luz da poética de alguns dos grandes dramaturgos franceses da primeira
metade do século passado, como por exemplo Paul Claudel e Henry de Montherlant,
bem como da lucidez desesperada de um Pierre Drieu la Rochelle.
A obra inicia-se com duas personagens (figuras? vozes
poéticas?) que se fazem ouvir junto a um edifício em construção (a simbólica do
livro é algo a considerar!), enquanto ao fundo se ouve o Quatuor pour la Fin du
Temps de Olivier Messien. Também não é acidental a escolha da música de
Messiaen: um dos maiores compositores do século XX, compositor esse cuja
profundidade religiosa atravessou toda a sua vida e toda a sua obra. […]