ATAQUES
(Lembrando Jacques Fesch, 1930 - 1957)
Existe uma grande distância entre o ataque, quase sempre injurioso, e a crítica ponderada, ainda que dura, duríssima mesmo. Atacam-se os padres, quando dá jeito e se quer atingir certos objectivos. Atacam-se os políticos... Atacam-se os professores... Atacam-se os polícias... os médicos... os juízes... os advogados... os funcionários públicos... quando dá jeito e se quer atingir certos objectivos... quase sempre inconfessáveis. Ou quando é mais fácil cuspir na cara dos outros do que olhar para o espelho e ver a nossa pobre imagem reflectida - porque o argueiro na vista alheia se distingue com maior facilidade do que a tranca existente sobre a nossa cabeça.
Dou por mim a pensar que, na douta ciência dos autores, da miríade de autores desses ataques, os padres, os políticos, os professores, os polícias, os médicos, os juízes, os advogados, os funcionários públicos nasceram de geração espontânea e vivem sozinhos ou, então, em comunidades fechadas. Ou seja, não têm avós, nem mães, nem pais, nem irmãos, nem filhos, nem primos, nem sobrinhos, nem tios, nem vizinhos, nem nada desse género... Aliás, na opinião de certos doutos, as pessoas que atacam - com bons ou maus pretextos - não devem pertencer à mesma espécie humana onde se incluem os seus achincalhadores. Por isso lhes chamam "animais", "monstros", "filhos da puta", "cabrões", "chulos", etc. etc. Desculpem, mas hoje dei folga aos eufemismos. O grande filósofo espanhol lembrou-nos de que nós não existimos sem as nossas circunstâncias, sendo moldados por elas. Por isso, se há padres que não honram o sacramento da ordem, políticos que desonram o mandato popular, professores que não ensinam, polícias que não nos salvaguardam, médicos que não curam, juízes que julgam mal, advogados que são aldrabões ou funcionários públicos que não desempenham devidamente a função em que foram investidos, uma boa parte da culpa é da sociedade que os envolve, a qual tantas vezes os incita a serem infiéis. Ou seja, de uma maneira ou de outra, a culpa é de todos nós - por actos ou por omissões. Mudassem as circunstâncias que nos envolvem, tivesse sido outra a educação que recebemos ou tivéssemos sido atropelados na existência e - tenhamos frontalidade ao dizê-lo - seríamos também pedófilos, vigaristas, violadores, assassinos, terroristas, devassos, difamadores, chantagistas, corruptos, negligentes, traficantes de influências e de outras mercadorias... Se temos a graça (sim, a graça!) de não termos enveredado por maus caminhos, isso não nos dá o direito de revestirmos o nosso pensamento, as nossas atitudes e as nossas palavras de uma soberba que, no fundo, é apenas o reverso do mundo corrupto em que vivemos, no qual, não tenho dúvidas, belzebu anda à solta. Antes pelo contrário: se nos dermos ao trabalho de esquadrinhar o nosso pensamento, lembrando as nossas acções passadas e os nossos desejos, acabaremos por descobrir que não nos faltam razões para sermos mais humildes... e bem menos sobranceiros. Se a paz social exige a aplicação de sanções àqueles que a romperam ou pretendem romper, tal não nos dispensa do dever da compaixão pelos nossos semelhantes, condenando o crime com firmeza, mas salvaguardando a pessoa que o praticou. É certo: temos a desdita de existir numa sociedade em que abundam "treinadores de mentalidades" a lavar o nosso cérebro, tentando convencer-nos de que tudo é relativo e, no fundo, não devemos arrependermos de nada, pois regras e pecados são coisas bolorentas que não existem. Convenhamos, no entanto: se das nossas (!) quedas não tivermos consciência, nunca delas nos arrependeremos e, se delas não nos arrependermos, nunca cresceremos enquanto pessoas e membros de uma sociedade que deseja a concórdia. O contrário disso é a selva - e já estivemos mais longe dela.
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