Raramente uma fotografia tem captado com tal eloquência quanto me caracteriza enquanto pessoa. Esta que apresento nasceu do olhar de Joaquim Cardoso Dias, em Lisboa, a 1 de Junho de 2010.
INSTRUMENTOS EM LISBOA
A apresentação de Instrumentos de Sopro ontem, 1 de Junho, em Lisboa, foi (quanto a mim) muito interessante. Não pelo "pretexto", mas pelo "texto" que fez nascer. Tanto quanto a minha memória alcança, nunca numa sessão nascida de um livro meu se dialogou tanto e tão profundamente sobre a Arte, a Poesia e a Poética.
O pintor e poeta Fernando Aguiar apresentou uma leitura simples, mas atenta, do livro - realçando dois dos seus pilares: a memória e a visualidade.
No que respeita às minhas palavras, fiz questão de realçar que esta colectânea representa destruindo a representação, narra demolindo a narração (como acontece, aliás, noutros livros meus).
Lembrando A Capital, de Eça de Queirós, sublinhei a sua actualidade como crónica do meio literário português do nosso tempo, onde pontificam Romas e mais Romas que vão obrigando tantos Curvelos à desistência. No momento em que vivemos, a vitalidade artística precisa contudo de quem lhes resista e vá persistindo num caminho doloroso e paciente, contra-cultural. Explicando o significado do título Instrumentos de Sopro (expressão de matérias e anti-matérias que insuflam/insuflaram vida na existência), manifestei a minha convicção na existência de dois campeonatos, inconciliáveis, na produção artística contemporânea: de um lado, o campeonato da notoriedade pública; do outro, aquele que é jogado por quantos tentam servir a Arte, humildemente (isto é, ligados à húmus, à fertilidade), sem esperarem prebendas nem passeios pagos.
No seguimento dessas intervenções, estabeleceu-se um período de debate muito participado, no qual intervieram nomeadamente José Carlos Marques (editor do livro), Levi Condinho, Manuel Herculano (da Associação Sebastião da Gama), Joaquim Cardoso Dias e Rui Almeida, para além dos supracitados. Questionou-se a estética contemporânea, sobretudo o seu anacronismo e sua miopia histórica, que todos os dias afirma inventar a roda, quando ela já foi inventada há tantos milénios. Abordou-se ainda a importância da poesia experimental e do seu contributo para o refrescamento da poesia portuguesa - que tanto necessita de ser posta em causa, ou seja, que tanto precisa da incerteza, para não continuar a fazer a tal roda quadrada.
(Como apontamento final, gostaria de agradecer a gentileza da gerência do ginásio Body Plaza, que criou todas as condições para um acontecimento digno. Agradeço ainda ao poeta Joaquim Cardoso Dias a captação de imagens para memória futura.)
A apresentação de Instrumentos de Sopro ontem, 1 de Junho, em Lisboa, foi (quanto a mim) muito interessante. Não pelo "pretexto", mas pelo "texto" que fez nascer. Tanto quanto a minha memória alcança, nunca numa sessão nascida de um livro meu se dialogou tanto e tão profundamente sobre a Arte, a Poesia e a Poética.
O pintor e poeta Fernando Aguiar apresentou uma leitura simples, mas atenta, do livro - realçando dois dos seus pilares: a memória e a visualidade.
No que respeita às minhas palavras, fiz questão de realçar que esta colectânea representa destruindo a representação, narra demolindo a narração (como acontece, aliás, noutros livros meus).
Lembrando A Capital, de Eça de Queirós, sublinhei a sua actualidade como crónica do meio literário português do nosso tempo, onde pontificam Romas e mais Romas que vão obrigando tantos Curvelos à desistência. No momento em que vivemos, a vitalidade artística precisa contudo de quem lhes resista e vá persistindo num caminho doloroso e paciente, contra-cultural. Explicando o significado do título Instrumentos de Sopro (expressão de matérias e anti-matérias que insuflam/insuflaram vida na existência), manifestei a minha convicção na existência de dois campeonatos, inconciliáveis, na produção artística contemporânea: de um lado, o campeonato da notoriedade pública; do outro, aquele que é jogado por quantos tentam servir a Arte, humildemente (isto é, ligados à húmus, à fertilidade), sem esperarem prebendas nem passeios pagos.
No seguimento dessas intervenções, estabeleceu-se um período de debate muito participado, no qual intervieram nomeadamente José Carlos Marques (editor do livro), Levi Condinho, Manuel Herculano (da Associação Sebastião da Gama), Joaquim Cardoso Dias e Rui Almeida, para além dos supracitados. Questionou-se a estética contemporânea, sobretudo o seu anacronismo e sua miopia histórica, que todos os dias afirma inventar a roda, quando ela já foi inventada há tantos milénios. Abordou-se ainda a importância da poesia experimental e do seu contributo para o refrescamento da poesia portuguesa - que tanto necessita de ser posta em causa, ou seja, que tanto precisa da incerteza, para não continuar a fazer a tal roda quadrada.
(Como apontamento final, gostaria de agradecer a gentileza da gerência do ginásio Body Plaza, que criou todas as condições para um acontecimento digno. Agradeço ainda ao poeta Joaquim Cardoso Dias a captação de imagens para memória futura.)
Ruy Ventura: Chave de Ignição, o novo livro
A apresentação pública do mais recente livro de Ruy Ventura, Chave de Ignição, teve lugar na sala polivalente da Biblioteca Municipal de Sesimbra, em 16 de Julho.
João Candeias, a quem coube a apresentação do livro, fez uma análise bastante exaustiva, mais geral e
global, desta publicação que organizou sob a forma de “seis apontamentos”, tendo, no último, afirmado:
“Fizemos uma viagem tortuosa, enfrentámos muitos dos pesadelos que a vida nos traz, mas não queremos terminar sem revelar o que um dos últimos poemas do livro nos propõe, embora sem excessos de optimismo. É, de resto, um dos muito bons poemas deste livro.”
Foi, assim, com uma mensagem de vida que o apresentador concluiu, invocando o significado dos versos “um corpo nasce/ / para que eu possa morrer”, forma de dizer que a vida vence a morte, que a semente lançada à terra dará os seus frutos e se perspectiva, então, a continuidade de um planeta onde
todos poderemos habitar, mesmo com as atrocidades conhecidas, ainda que o risco seja imenso, mas afigurando-se o sonho como a possibilidade do impossível.
Ruy Ventura editou já em Portugal vários títulos de poesia, dos quais destacaremos: Arquitectura do Silêncio (2000), Sete capítulos do mundo (2003) e Assim se deixa uma casa (2003). Assinale-se, finalmente, a admiração que Ruy Ventura vem demonstrando pelo patrono da nossa Associação, Sebastião da Gama, tendo colaborado, ultimamente, no júri de selecção dos trabalhos concorrentes ao Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama, promovido pelas Juntas de Freguesia de S. Lourenço e de S. Simão, de Azeitão, e participado em eventos afins, como aconteceu com a palestra sobre a poesia de Sebastião da Gama e a sua ligação à Serra da Arrábida proferida no Salão Nobre da Câmara de Setúbal por ocasião das primeiras comemorações do Dia Municipal da Arrábida, associadas à data de aniversário natalício do poeta, em 10 de Abril, palestra cujo texto foi parcialmente reproduzido no nosso Boletim Informativo nº 5, de Junho de 2008.
O livro agora apresentado tem capa de Nuno de Matos Duarte e uma nota introdutória de Gonçalo M. Tavares. Entretanto, Ruy Ventura publicou já novo livro, INSTRUMENTOS DE SOPRO, com apresentação no Forum Picoas a 1 de Junho, às 18 horas.
(in Boletim informativo da Associação Cultural Sebastião da Gama, nº 10, maio de 2010)
A apresentação pública do mais recente livro de Ruy Ventura, Chave de Ignição, teve lugar na sala polivalente da Biblioteca Municipal de Sesimbra, em 16 de Julho.
João Candeias, a quem coube a apresentação do livro, fez uma análise bastante exaustiva, mais geral e
global, desta publicação que organizou sob a forma de “seis apontamentos”, tendo, no último, afirmado:
“Fizemos uma viagem tortuosa, enfrentámos muitos dos pesadelos que a vida nos traz, mas não queremos terminar sem revelar o que um dos últimos poemas do livro nos propõe, embora sem excessos de optimismo. É, de resto, um dos muito bons poemas deste livro.”
Foi, assim, com uma mensagem de vida que o apresentador concluiu, invocando o significado dos versos “um corpo nasce/ / para que eu possa morrer”, forma de dizer que a vida vence a morte, que a semente lançada à terra dará os seus frutos e se perspectiva, então, a continuidade de um planeta onde
todos poderemos habitar, mesmo com as atrocidades conhecidas, ainda que o risco seja imenso, mas afigurando-se o sonho como a possibilidade do impossível.
Ruy Ventura editou já em Portugal vários títulos de poesia, dos quais destacaremos: Arquitectura do Silêncio (2000), Sete capítulos do mundo (2003) e Assim se deixa uma casa (2003). Assinale-se, finalmente, a admiração que Ruy Ventura vem demonstrando pelo patrono da nossa Associação, Sebastião da Gama, tendo colaborado, ultimamente, no júri de selecção dos trabalhos concorrentes ao Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama, promovido pelas Juntas de Freguesia de S. Lourenço e de S. Simão, de Azeitão, e participado em eventos afins, como aconteceu com a palestra sobre a poesia de Sebastião da Gama e a sua ligação à Serra da Arrábida proferida no Salão Nobre da Câmara de Setúbal por ocasião das primeiras comemorações do Dia Municipal da Arrábida, associadas à data de aniversário natalício do poeta, em 10 de Abril, palestra cujo texto foi parcialmente reproduzido no nosso Boletim Informativo nº 5, de Junho de 2008.
O livro agora apresentado tem capa de Nuno de Matos Duarte e uma nota introdutória de Gonçalo M. Tavares. Entretanto, Ruy Ventura publicou já novo livro, INSTRUMENTOS DE SOPRO, com apresentação no Forum Picoas a 1 de Junho, às 18 horas.
(in Boletim informativo da Associação Cultural Sebastião da Gama, nº 10, maio de 2010)
Maria Teresa Lobato
INSTRUMENTOS DE SOPRO
DE RUY VENTURA
Devo confessar que tive alguma dificuldade em sintetizar o que este livro me sugere em termos de análise. Essa análise recairia, primeiramente, na escrita do poeta, mas também na relação que as suas palavras estabeleceram comigo. Porque é disso mesmo que se trata: o poeta para mim e não eu para o poeta.
Ou será que sim? Posso questionar. Estabelecida a relação escritor-leitor, estabelece-se a relação com o mundo, com as coisas belas que nos trazem a paz e com as coisas mais sombrias, que nos trazem a inquietação.
Porque se escreve? Para quem? Como se escreve? Eu sou a imagem que vejo reflectida no mundo. Porque escreve um poeta? Para quem escreve o poeta? Será lícito dissecarmos os poemas que alguém escreveu? É para conhecermos o poeta ou para nos conhecermos a nós mesmos?
*
A obra poética de Ruy Ventura tem vindo a crescer e a revelar-se como da melhor poesia que se escreve na actualidade. E é tão difícil falar dela como das memórias e dos lugares a que ela nos obriga – e ainda bem – a visitar, tão vastas são as referências a que as palavras do poeta nos reportam.
*
Em “aparição” (pp. 17 a 20) encontramos a busca constante de um abrigo, um pedido de socorro que pode surgir ou do nevoeiro que se ergue de cada poema, ou dos lugares sem espaço que o poeta inventa.
“Catábase” (p. 23) apresenta-nos a busca da verdade, um caminho penoso e sem fim. “Nada…”, diz-nos o poeta. As casas, figuras poéticas que nos poderiam trazer alguma tranquilidade, surgem como fantasmas, disformes e voláteis, não nos permitindo nem repouso nem pousio, antes mais um passo na busca da verdade eterna que é a essência da vida.
Mas nem tudo é escuridão na poesia de Ruy Ventura. Como no poema “nudez” (pp. 50-51), há dias em que o sol brilha e das mãos do autor parecem nascer tardes claras, iluminadas pelo fogo do sentir que dá vida a palavras mortas: “nem ouro, nem prata”, “não encontro negrume nessa face”. Assim, o clarão do lume descobre os sentidos escondidos no poema, entre as linhas, frutos dessa alma que se reconstrói das cinzas, que se ergue no “cume da manhã”.
*
A poesia de Ruy Ventura não é uma poesia fácil. E dói. Dói aqui no peito, aqui na memória dos nossos dias. Porque incomoda, porque mexe connosco e nos faz questionar a essência da vida, da nossa vida. Não há roseiras floridas nem passarinhos a chilrear. Ruy Ventura prefere ser curto, despido de delicadezas de salão, reafirmando uma mão segura, firme, certa dos caminhos que quer percorrer. Nada é fácil, tudo se transforma.
Poeta do enfeite? Da escuridão nasce a luz. Assim se concebe a literatura, assim se concebem essas palavras colocadas no sítio certo, no exacto momento em que da sombra nasce a luz.
*
A poesia de Ruy Ventura é marcada pelo compasso da enxada que lavra a terra. Um compasso binário, ritmado ao som da ondulação de uma seara seca pelo estio, mas fértil, pronta a oferecer-nos os versos em forma de espiga, o poema em forma de dádiva, mas não gratuita, sofrida.
O nome e o verbo, símbolos da essência e da “coisa”, predominam na escrita de Ruy Ventura. O nome despido. O verbo completo. Porque bastam enquanto significantes, sem precisarem de rodeios. Como a espiga, nua, presa à terra, que, só por si, dará lugar aos alicerces, às paredes, enfim, à casa onde mora esta poesia pura.
Poeta da terra, poeta da ceifa, Ruy Ventura despreza o recurso à adjectivação e concentra-se no essencial. Eis aqui este campo que precisa de ser lavrado.
INSTRUMENTOS DE SOPRO
DE RUY VENTURA
Devo confessar que tive alguma dificuldade em sintetizar o que este livro me sugere em termos de análise. Essa análise recairia, primeiramente, na escrita do poeta, mas também na relação que as suas palavras estabeleceram comigo. Porque é disso mesmo que se trata: o poeta para mim e não eu para o poeta.
Ou será que sim? Posso questionar. Estabelecida a relação escritor-leitor, estabelece-se a relação com o mundo, com as coisas belas que nos trazem a paz e com as coisas mais sombrias, que nos trazem a inquietação.
Porque se escreve? Para quem? Como se escreve? Eu sou a imagem que vejo reflectida no mundo. Porque escreve um poeta? Para quem escreve o poeta? Será lícito dissecarmos os poemas que alguém escreveu? É para conhecermos o poeta ou para nos conhecermos a nós mesmos?
*
A obra poética de Ruy Ventura tem vindo a crescer e a revelar-se como da melhor poesia que se escreve na actualidade. E é tão difícil falar dela como das memórias e dos lugares a que ela nos obriga – e ainda bem – a visitar, tão vastas são as referências a que as palavras do poeta nos reportam.
*
Em “aparição” (pp. 17 a 20) encontramos a busca constante de um abrigo, um pedido de socorro que pode surgir ou do nevoeiro que se ergue de cada poema, ou dos lugares sem espaço que o poeta inventa.
“Catábase” (p. 23) apresenta-nos a busca da verdade, um caminho penoso e sem fim. “Nada…”, diz-nos o poeta. As casas, figuras poéticas que nos poderiam trazer alguma tranquilidade, surgem como fantasmas, disformes e voláteis, não nos permitindo nem repouso nem pousio, antes mais um passo na busca da verdade eterna que é a essência da vida.
Mas nem tudo é escuridão na poesia de Ruy Ventura. Como no poema “nudez” (pp. 50-51), há dias em que o sol brilha e das mãos do autor parecem nascer tardes claras, iluminadas pelo fogo do sentir que dá vida a palavras mortas: “nem ouro, nem prata”, “não encontro negrume nessa face”. Assim, o clarão do lume descobre os sentidos escondidos no poema, entre as linhas, frutos dessa alma que se reconstrói das cinzas, que se ergue no “cume da manhã”.
*
A poesia de Ruy Ventura não é uma poesia fácil. E dói. Dói aqui no peito, aqui na memória dos nossos dias. Porque incomoda, porque mexe connosco e nos faz questionar a essência da vida, da nossa vida. Não há roseiras floridas nem passarinhos a chilrear. Ruy Ventura prefere ser curto, despido de delicadezas de salão, reafirmando uma mão segura, firme, certa dos caminhos que quer percorrer. Nada é fácil, tudo se transforma.
Poeta do enfeite? Da escuridão nasce a luz. Assim se concebe a literatura, assim se concebem essas palavras colocadas no sítio certo, no exacto momento em que da sombra nasce a luz.
*
A poesia de Ruy Ventura é marcada pelo compasso da enxada que lavra a terra. Um compasso binário, ritmado ao som da ondulação de uma seara seca pelo estio, mas fértil, pronta a oferecer-nos os versos em forma de espiga, o poema em forma de dádiva, mas não gratuita, sofrida.
O nome e o verbo, símbolos da essência e da “coisa”, predominam na escrita de Ruy Ventura. O nome despido. O verbo completo. Porque bastam enquanto significantes, sem precisarem de rodeios. Como a espiga, nua, presa à terra, que, só por si, dará lugar aos alicerces, às paredes, enfim, à casa onde mora esta poesia pura.
Poeta da terra, poeta da ceifa, Ruy Ventura despreza o recurso à adjectivação e concentra-se no essencial. Eis aqui este campo que precisa de ser lavrado.
[Lido em Azeitão a 22 de Abril de 2010.]
Convite à Poesia:
Ruy Ventura - Novo Livro
. . . ... INSTRUMENTOS DE SOPRO ... . . .
As Edições Sempre-em-Pé e o Autor, Ruy Ventura, têm o prazer de convidar à apresentação do livro Instrumentos de Sopro, que será feita pelo artista plástico Fernando Aguiar.
Data: Terça-feira, 1 de Junho, 18:00
Local: em Lisboa, no Ginásio Body-Plaza (entrada pela recepção), no Centro Comercial Picoas Plaza, Rua Tomás Ribeiro, 65, loja C.1.15, Metro de Picoas.
Estacionamento disponível no Centro Comercial, na garagem, entrada pela Rua Viriato.
Esta colectânea de poesia do autor de Chave de Ignição está integrada na colecção UniVersos (Edições Sempre-em-Pé, responsáveis pela revista de poesia DiVersos e outras edições de poesia). Inclui um prefácio do poeta brasileiro C. Ronald. Capa criada a partir de um óleo do pintor Nuno de Matos Duarte.
O livro agora publicado nasce da colectânea intitulada El lugar, la imagen, editada em Espanha pela Editora Regional da Extremadura no ano 2006, com tradução para castelhano de Antonio Sáez Delgado. Os poemas aí incluídos fazem agora parte da segunda secção do livro, que surge ladeada por mais dois volantes, um prólogo e um epílogo.
Edições Sempre-em-Pé agradecem o apoio da empresa Body Plaza (http://www.bodyplaza.pt/)
José do Carmo Francisco
«Instrumentos de Sopro»
de Ruy Ventura
Ruy Ventura (n. 1973) estreou-se em 2000 com «Arquitectura do Silêncio» (Prémio Revelação da APE) e tem neste recente «Instrumentos de Sopro» o seu sétimo título como poeta. Não se trata aqui de instrumentos musicais (trompete, trompa, cornetim, trombone, saxofone, órgão, acordeão ou harmónica) mas de memórias e reflexões sopradas ao poeta por monumentos, esculturas, pinturas, moedas, estelas funerárias ou ruínas. Um exemplo: na rua de São Julião em Lisboa uma igreja foi transformada em garagem de um Banco. No altar surgiu o deus Mamon em vez do Rei dos Reis e esta é a resposta do poema:
«a vizinhança não poderia consentir tal afronta / (apesar do incêndio, a vida ressuscitara / entre velas, mármores e frontais) / era preciso consumir de novo / a brancura do corpo / deixando apenas os ossos / e uma pele brilhante / mas ressequida».
«a incandescência das vozes / foi devorada pela incandescência dos motores. no trono / Mamon reina agora / sobre a falsidade da fachada».
«noutro lado – taberna, quarto / de cama, teatro ou sala de jantar. / mudaria o diálogo / mas não mudaria o povoamento».
«aqui, Mamon escarra nas paredes. / poderia ser de outro modo? / o dinheiro suja o olhar – e sem mistério».
(Edições Sempre em Pé, Capa: Nuno de Matos Duarte, Prefácio: C. Ronald)
Fonte: http://aspirinab.com/jose-do-carmo-francisco/um-livro-por-semana-181/#comments (a 9 de Maio de 2010).
«Instrumentos de Sopro»
de Ruy Ventura
Ruy Ventura (n. 1973) estreou-se em 2000 com «Arquitectura do Silêncio» (Prémio Revelação da APE) e tem neste recente «Instrumentos de Sopro» o seu sétimo título como poeta. Não se trata aqui de instrumentos musicais (trompete, trompa, cornetim, trombone, saxofone, órgão, acordeão ou harmónica) mas de memórias e reflexões sopradas ao poeta por monumentos, esculturas, pinturas, moedas, estelas funerárias ou ruínas. Um exemplo: na rua de São Julião em Lisboa uma igreja foi transformada em garagem de um Banco. No altar surgiu o deus Mamon em vez do Rei dos Reis e esta é a resposta do poema:
«a vizinhança não poderia consentir tal afronta / (apesar do incêndio, a vida ressuscitara / entre velas, mármores e frontais) / era preciso consumir de novo / a brancura do corpo / deixando apenas os ossos / e uma pele brilhante / mas ressequida».
«a incandescência das vozes / foi devorada pela incandescência dos motores. no trono / Mamon reina agora / sobre a falsidade da fachada».
«noutro lado – taberna, quarto / de cama, teatro ou sala de jantar. / mudaria o diálogo / mas não mudaria o povoamento».
«aqui, Mamon escarra nas paredes. / poderia ser de outro modo? / o dinheiro suja o olhar – e sem mistério».
(Edições Sempre em Pé, Capa: Nuno de Matos Duarte, Prefácio: C. Ronald)
Fonte: http://aspirinab.com/jose-do-carmo-francisco/um-livro-por-semana-181/#comments (a 9 de Maio de 2010).
UMA TRADUÇÃO ESPANHOLA
esta sala fue antaño un balcón.
de aquel tiempo quedaron una lámpara
una persiana para siempre abierta,
una ventana y un arriate
donde nacen y crecen flores de plástico.
ciertamente:
mi presencia no existía todavía.
aunque esta edad sobrepase la del aluminio,
que separa el jardín
y la casa
Ruy Ventura
(Traducido por El transcriptor)
[ESTA SALA FOI OUTRORA UMA VARANDA]
esta sala foi outrora uma varanda.
desse tempo ficaram um candeeiro,
uma persiana para sempre aberta,
uma janela e um alegrete
onde nascem e crescem flores de plástico.
decerto:
a minha presença não existia ainda.
embora esta idade ultrapasse a do alumínio,
separando o jardim
e a casa.
Sete Capítulos do Mundo, Black Sun Editores, Lisboa, 2003
esta sala fue antaño un balcón.
de aquel tiempo quedaron una lámpara
una persiana para siempre abierta,
una ventana y un arriate
donde nacen y crecen flores de plástico.
ciertamente:
mi presencia no existía todavía.
aunque esta edad sobrepase la del aluminio,
que separa el jardín
y la casa
Ruy Ventura
(Traducido por El transcriptor)
[ESTA SALA FOI OUTRORA UMA VARANDA]
esta sala foi outrora uma varanda.
desse tempo ficaram um candeeiro,
uma persiana para sempre aberta,
uma janela e um alegrete
onde nascem e crescem flores de plástico.
decerto:
a minha presença não existia ainda.
embora esta idade ultrapasse a do alumínio,
separando o jardim
e a casa.
Sete Capítulos do Mundo, Black Sun Editores, Lisboa, 2003
Maria Teresa Lobato
SOBRE INSTRUMENTOS DE SOPRO
[...] A obra poética de Ruy Ventura tem vindo a crescer e a revelar-se como da melhor poesia que se escreve na actualidade. É tão difícil falar dela como das memórias e dos lugares a que ela nos obriga - e ainda bem - a visitar, tão vastas são as referências a que as palavras do poeta nos reportam.
Assim se concebe a literatura, assim se concebem essas palavras colocadas no sítio certo, no exacto momento em que da sombra nasce a luz.
(Publicado em http://talvezpeninsula.blogspot.com/2010/04/instrumentos-de-sopro.html)
[...]
A poesia de Ruy Ventura é marcada pelo compasso da enxada que lavra a terra. Um compasso binário, ritmado ao som da ondulação de uma seara, talvez seca pelo estio, mas fértil, enquanto nos ofereça os versos em forma de semente, os poemas em forma de espiga, dádiva, mas não gratuita, sofrida. (...)
Poeta da terra, poeta da ceifa, R.V. despreza o recurso a enfeites e concentra-se no essencial: eis aqui este campo que precisa ser lavrado.
Ruy Ventura's poetry is marked by the beat of the hoe to till the land. A binary beat, to the rhythmic sound of the waves of a harvest, perhaps by summer drought, but fertile, while offering us the verses in seed means, the poems in the make of spike, donation, but not free, suffered. (...) Poet of the soil, poet of reaping, R.V. despises the use of ornaments and focuses on the essential issues: here is this field that needs to be plowed.
[...]
Do autor e da obra saída agora através das Edições Sempre-em-Pé fica este poema:
síntese
guardarei do teu rosto
apenas o nome:
a dor do espinho rasgando a pele
para que nela entre uma palavra
somente uma palavra
gravada na coluna
que sustentava a nossa infância.
o mel e o azeite reúnem-se
entre flores e mantas de musgo.
mesmo no interior da cidade
o pão reveste-nos de sombra
o teu nome reveste-nos de dor
nesta noite em que vigiamos
o forno do alto da mais alta torre.
pouco ficou da viagem:
o rio nutrindo-se da ponte e da figueira,
o teu nome alimentando
o sangue
que guardo neste poema.
...............................................
synthesis
from your face I will just
preserve the name:
the pain of the thorn tearing the skin
for it a word can come
just one word
printed in the column
that held our childhood.
honey and olive oil rejoin
among flowers and webs of moss.
even within the city
bread takes us from the shadow
your name brazes us from pain
in this night when we watch
the oven from the top of the tallest tower.
little remained of the trip:
the river feeding on the bridge and the fig tree,
feeding your name
the blood
I save within this poem.
(tradução de Teresa Lobato)
(Publicado em http://talvezpeninsula.blogspot.com/2010/04/instrumentos-de-sopro-apresentacao.html)
SOBRE INSTRUMENTOS DE SOPRO
[...] A obra poética de Ruy Ventura tem vindo a crescer e a revelar-se como da melhor poesia que se escreve na actualidade. É tão difícil falar dela como das memórias e dos lugares a que ela nos obriga - e ainda bem - a visitar, tão vastas são as referências a que as palavras do poeta nos reportam.
Assim se concebe a literatura, assim se concebem essas palavras colocadas no sítio certo, no exacto momento em que da sombra nasce a luz.
(Publicado em http://talvezpeninsula.blogspot.com/2010/04/instrumentos-de-sopro.html)
[...]
A poesia de Ruy Ventura é marcada pelo compasso da enxada que lavra a terra. Um compasso binário, ritmado ao som da ondulação de uma seara, talvez seca pelo estio, mas fértil, enquanto nos ofereça os versos em forma de semente, os poemas em forma de espiga, dádiva, mas não gratuita, sofrida. (...)
Poeta da terra, poeta da ceifa, R.V. despreza o recurso a enfeites e concentra-se no essencial: eis aqui este campo que precisa ser lavrado.
Ruy Ventura's poetry is marked by the beat of the hoe to till the land. A binary beat, to the rhythmic sound of the waves of a harvest, perhaps by summer drought, but fertile, while offering us the verses in seed means, the poems in the make of spike, donation, but not free, suffered. (...) Poet of the soil, poet of reaping, R.V. despises the use of ornaments and focuses on the essential issues: here is this field that needs to be plowed.
[...]
Do autor e da obra saída agora através das Edições Sempre-em-Pé fica este poema:
síntese
guardarei do teu rosto
apenas o nome:
a dor do espinho rasgando a pele
para que nela entre uma palavra
somente uma palavra
gravada na coluna
que sustentava a nossa infância.
o mel e o azeite reúnem-se
entre flores e mantas de musgo.
mesmo no interior da cidade
o pão reveste-nos de sombra
o teu nome reveste-nos de dor
nesta noite em que vigiamos
o forno do alto da mais alta torre.
pouco ficou da viagem:
o rio nutrindo-se da ponte e da figueira,
o teu nome alimentando
o sangue
que guardo neste poema.
...............................................
synthesis
from your face I will just
preserve the name:
the pain of the thorn tearing the skin
for it a word can come
just one word
printed in the column
that held our childhood.
honey and olive oil rejoin
among flowers and webs of moss.
even within the city
bread takes us from the shadow
your name brazes us from pain
in this night when we watch
the oven from the top of the tallest tower.
little remained of the trip:
the river feeding on the bridge and the fig tree,
feeding your name
the blood
I save within this poem.
(tradução de Teresa Lobato)
(Publicado em http://talvezpeninsula.blogspot.com/2010/04/instrumentos-de-sopro-apresentacao.html)
INSTRUMENTOS DE SOPRO
Apresentação na Biblioteca da Escola Básica de Azeitão
Aceitei com relutância inicial o convite da directora da Biblioteca Escolar para apresentar o meu novo livro no lugar onde trabalho. Ao longo destes anos de existência poética (não de "vida literária"), se nunca quis separar desta actividade paralela as pessoas que todos os dias me acompanham na minha actividade docente, tentei sempre distinguir os dois mundos, o do ganha-pão daquele a que sou interiormente obrigado (o da escrita). Apenas pudor? Talvez.
A sessão decorreu, contudo, com uma dignidade ímpar. Todos os momentos acontecidos nesse 22 de Abril de 2010, vésperas do Dia Mundial do Livro, foram vividos de modo a ficarem na memória. Desde as intervenções das escritoras/colegas Teresa Martinho Marques e Teresa Lobato aos acordes à viola do Vasco e do Tiago, passando pelas palavras da Luísa Marques (directora da BE) e da Clara Félix (directora do Agrupamento de Escolas) e pela presença de alunos, encarregados de educação, colegas e amigos, alguns vindos de longe.
Na minha intervenção tentei sublinhar que Instrumentos de Sopro - sendo a reedição aumentada de um livro publicado em Espanha - é, sobretudo, a manifestação de diversos caminhos materiais que me levaram ao encontro do sopro (jubiloso ou doloroso) que transforma a existência em Vida. Aproveitei ainda para homenagear discretamente os poetas da terra, Frei Agostinho da Cruz e Sebastião da Gama, transmitindo aos presentes a minha convicção de que, mais importante do que escrever, o segredo está numa leitura constante e atenta dos outros.
Apresentação na Biblioteca da Escola Básica de Azeitão
Aceitei com relutância inicial o convite da directora da Biblioteca Escolar para apresentar o meu novo livro no lugar onde trabalho. Ao longo destes anos de existência poética (não de "vida literária"), se nunca quis separar desta actividade paralela as pessoas que todos os dias me acompanham na minha actividade docente, tentei sempre distinguir os dois mundos, o do ganha-pão daquele a que sou interiormente obrigado (o da escrita). Apenas pudor? Talvez.
A sessão decorreu, contudo, com uma dignidade ímpar. Todos os momentos acontecidos nesse 22 de Abril de 2010, vésperas do Dia Mundial do Livro, foram vividos de modo a ficarem na memória. Desde as intervenções das escritoras/colegas Teresa Martinho Marques e Teresa Lobato aos acordes à viola do Vasco e do Tiago, passando pelas palavras da Luísa Marques (directora da BE) e da Clara Félix (directora do Agrupamento de Escolas) e pela presença de alunos, encarregados de educação, colegas e amigos, alguns vindos de longe.
Na minha intervenção tentei sublinhar que Instrumentos de Sopro - sendo a reedição aumentada de um livro publicado em Espanha - é, sobretudo, a manifestação de diversos caminhos materiais que me levaram ao encontro do sopro (jubiloso ou doloroso) que transforma a existência em Vida. Aproveitei ainda para homenagear discretamente os poetas da terra, Frei Agostinho da Cruz e Sebastião da Gama, transmitindo aos presentes a minha convicção de que, mais importante do que escrever, o segredo está numa leitura constante e atenta dos outros.
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