POR DELICADEZA
Por delicadeza e amizade, evito escrever ou dizer quaisquer
palavras contra os ateus, os agnósticos, os maçons, os muçulmanos, os judeus,
os evangélicos e protestantes, os católicos integristas, os
"neocatólicos" (como lhes chama Hans Urs von Bathasar), os
comunistas, os socialistas, os fascistas e os membros de outros grupos
políticos e religiosos. Conhecendo as suas doutrinas e as suas ideias (das
quais discordo firme, profunda e fundadamente), vou-me calando, pois sei distinguir o que pensam do que são e das suas circunstâncias. Atendo à
liberdade de pensamento e de expressão de cada um, mesmo que considere errados
os seus fundamentos ou julgue que a estrutura do seu pensamento não seguiu a
recta via. Por delicadeza e amizade, calo-me e chego a não manifestar
discordâncias que me revoltam as entranhas, pois sei que iria feri-los. Mesmo
quando falo firmemente contra as consequências do ateísmo (melhor, do
anti-teísmo), da maçonaria, de certo islamismo, de certo judaísmo, de certo
protestantismo, do integrismo católico ou do neocatolicismo, do comunismo, do
socialismo e do fascismo, tento nunca atacar os que militam nessas águas, mas
apenas as ideias e as práticas. Mais facilmente critico os católicos que não
seguem a Boa Nova de Cristo, manchando a sua Igreja.
Acontece, todavia, que a reciprocidade nem sempre acontece. Se
alguns primam pela delicadeza também, respeitando-me nas minhas crenças e nas
minhas ideias políticas, sabendo nomeadamente que a indignidade de muitos
cristãos e católicos não corresponde à indignidade do cristianismo, outros há
que não se coíbem de dizer o que lhes vai na veneta (estão no seu direito),
mesmo sabendo que isso me deixará magoado. Penso para comigo que é a vida.
Penso para comigo que as injúrias são algo de que os cristãos nunca se
livrarão. Mas há dias em que me apetece ser menos pacífico. "Por
delicadeza, perdi a minha vida...", escreveu o outro. Penso contudo nessas
alturas que, mesmo perante as mentiras e a manipulação das palavras alheias -
do género "o Papa disse que é melhor ser ateu do que ir à Igreja",
quando não foram essas as suas palavras - ganharei a vida, continuando, dentro
do possível, delicado, mesmo perante aqueles que o não são. É, como diz a
outra, um princípio civilizacional. Mesmo quando me apetece mandá-los àquela
parte pouco limpa, untar-lhes as molas com uma valente bengalada ou,
simplesmente, exilá-los a pão e água numa boa biblioteca.
(RV)