Lendas da serra de São Mamede
(Castelo de Vide, Marvão e Portalegre)
 
colecção redes & enredos
 
 
Organizador: Ruy Ventura
 
ISBN: 978-989-618-441-4
Edição: 60 páginas
 
 
Preço: 4,50 € (6% de IVA incluído)
 
Recolha de lendas dos concelhos de Castelo de Vide, Marvão e Portalegre.

Mais informações em:
http://apenas-livros.com/pagina/apenas_de_cordel/indice?id=537

ENTREVISTA DADA
AO "DIÁRIO DO ALENTEJO"

(25/10/2013)



Como surgem os dois volumes de Literatura Tradicional da Serra de São Mamede (castelo de Vide, Marvão e Portalegre)?

Os dois primeiros cadernos são a concretização de um projeto que acalento há quase duas décadas, desde que comecei a recolher em várias localidades desses municípios muitos textos quase em vias de desaparecimento. É um tesouro que não poderia esfumar-se... Sendo uma região riquíssima em património imaterial, muito felizmente já publicado, precisava de ver reunidos contributos dispersos, não só para devolver às populações a sua tradição, como também para pôr à disposição dos investigadores esse material devidamente organizado. Além disso, tenho em mão uma quantidade impressionante de recolhas inéditas, efetuadas durante os três anos em que lecionei a cadeira de Literatura Oral no Instituto Politécnico de Portalegre. O trabalho foi interrompido com a minha saída da instituição, mas era preciso organizar e divulgar todo esse arquivo, que conta talvez com milhares de textos. Tendo surgido o convite da parte da presidente do Instituto de Estudos de Literatura Tradicional, professora Ana Paula Guimarães, e da responsável pela Apenas Livros, dra. Fernanda Frazão, aceitei deitar mãos à tarefa com muito gosto.


O primeiro edita romances religiosos. O segundo edita orações, benzeduras, ensalmos, esconjuros e orações parodiadas. Seguir-se-á um terceiro?

Os dois primeiros cadernos já estão à venda em várias livrarias e no sítio da Apenas Livros, na Internet. As provas do terceiro, que publicará boa parte das lendas de castelo de Vide, Marvão e Portalegre, foram entregues esta semana e já estão no prelo. Para já sairão estes três, que receberam financiamento do IELT/Universidade Nova de Lisboa e de fundos da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Se tudo correr bem, em 2014 serão organizados outros, que publicarão nomeadamente romances tradicionais, romances vulgares, cancioneiro e contos.

O que exigiu este projeto de recolha?

Como disse, foi um projeto construído ao longo de cerca de 20 anos. Exigiu a recolha junto de vários informantes em muitas localidades da região e a transcrição de textos a partir de bibliografia (alguma muito difícil de encontrar). O trabalho não teria sido no entanto tão completo se eu não tivesse contado com a colaboração de vários colectores que tinham os seus textos na gaveta, como por exemplo Maria do Carmo Alexandre, Maria Tavares Transmontano, Maria Guadalupe Alexandre, Maria da Liberdade Alegria e vários alunos meus da Escola Superior de Educação de Portalegre, cujos trabalhos guardei. Recentemente, tive de proceder a novas transcrições de parte do espólio e à classificação dos textos. Resta-me dizer que esta iniciativa é um caminho, não uma meta.

Bruna Soares


LITERATURA TRADICIONAL 
DA SERRA DE SÃO MAMEDE

organização de Ruy Ventura
editado pela Apenas Livros, em Lisboa
na colecção “À mão de respigar”
com apoio do Instituto de Estudos de Literatura Tradicional e da Fundação para a Ciência e Tecnologia



(introdução geral, no primeiro caderno)

         Com este opúsculo se inicia a edição de uma parte da literatura tradicional da serra de São Mamede, espaço do Nordeste Alentejano encostado à fronteira da Extremadura espanhola que compreende os concelhos de Castelo de Vide, Marvão e Portalegre. Constituindo uma tentativa de sistematização e classificação do vastíssimo património literário oral que se foi produtransmitindo ao longo de séculos nessa região, não tem contudo esta publicação e outras que se sigam propósitos de exaustividade. Se se procura dar divulgação impressa ao maior número possível de textos e variantes, o organizador desta iniciativa tem consciência de que muito ficará por apresentar nestas páginas sem pretensão.
         Este caderno pediria um estudo introdutório que enquadrasse os textos e a região onde foram produzidos e/ou difundidos. Não é este contudo o tempo nem o espaço para tal empreendimento. Com um mínimo de aparato fica assim disponível uma parte da memória colectiva desses três municípios em que a desertificação demográfica, social e cultural vai acentuando uma inquietante erosão cuja velocidade vertiginosa levará decerto à perda da maior parte destes textos, quebrada que está quase por completo a sua cadeia de transmissão.
         Publicar este conjunto de artefactos literários é, também, conservá-los e dar-lhes um pouco de sopro vivificador, embora permaneça a angústia de ver obras vivas e abertas transformadas em múmias ou relíquias, pertencentes a um tempo rural e cíclico que nunca mais voltará tal como muitos de nós ainda o conhecemos. Talvez assim, contudo, tenham nova existência – e uma garantia de futuro.

         A transmissão de uma boa parte dos textos de literatura oral deveu-se às mulheres que, anonimamente, quase em segredo, foram mestras na sua memorização e na sua reprodução criativa. É por isso inteiramente justo que dedique este primeiro caderno a quem continua a ensinar-me e a incentivar-me (Felicidade Ventura, minha mãe; Maria Tavares Transmontano e Maria Guadalupe Alexandre, amigas e investigadoras, tão atentas quanto discretas) e a quem já faz parte do meu panteão pessoal, por dívidas imateriais que nunca pagarei (Rosária da Conceição Pedro, minha avó materna; Maria Josefa Baptista, minha avó paterna; e Maria da Liberdade Fernandes Alegria, minha amiga de quase quarenta anos; que a terra lhes seja leve).





I – Romances religiosos (primeiro caderno)

Anúncio do nascimento de Cristo aos pastores
Pobreza da Virgem em Belém
O castelo da Virgem
Nossa Senhora lavadeira
Reis
Sonho de Nossa Senhora
Do Horto ao Calvário
Testamento de Cristo
Retrato de Cristo
O monumento de Cristo
Vida de Cristo
Jesus Menino quer dizer missa
Jesus Cristo diz missa
A vida de Jesus Cristo
 [Senhora da Piedade]
O lavrador da Arada
A fé do cego
O cordão de Nossa Senhora
Devota da ermida
Separação do corpo da alma
Julgamento de uma alma
Santa Helena
Angelina gloriosa

Versões recolhidas em: Carreiras, Carvalhal, Castelo de Vide, Escusa, Fortios, Portagem, Portalegre, Porto da Espada, Rasa, Reguengo, Ribeira de Nisa, São Julião e São Salvador da Aramenha.


II – Orações, encomendações, ensalmos e esconjuros (segundo caderno)

Orações quotidianas
Orações próprias da missa
Orações relacionadas com outras práticas religiosas
Orações relacionadas com edifícios religiosos ou para-religiosos
Orações relacionadas com tarefas diárias
Orações relacionadas com a natureza
Orações diversas
Encomendações
Ensalmos / benzeduras
Esconjuros
Orações parodiadas

Versões recolhidas em: Alegrete, Carreiras, Carvalhal, Castelo de Vide, Escusa, Fortios, Portagem, Portalegre, Porto da Espada, Póvoa e Meadas, Rasa, Reguengo, Ribeira de Nisa, São Julião, São Salvador da Aramenha e Urra.


III – Lendas (terceiro caderno, ainda no prelo)

Lendas de:
Alegrete
Alvarrões
Aramenha
Besteiros
Carreiras
Castelo de Vide
Escusa
Fortios
Marvão
Portagem
Portalegre
Porto da Espada
Reguengo
Ribeira de Nisa
Serra de São Mamede
Urra



Literatura Tradicional da Serra de São Mamede (Castelo de Vide, Marvão e Portalegre)
I. Romances religiosos
Autor:  Ruy Ventura
Edição:  47 páginas
Estado:  disponível
Preço:  4,15 € (6% de IVA incluído) 
Recolha in loco de romances religiosos orais na serra de São Mamede, Alentejo


Literatura tradicional da serra de São Mamede (Castelo de Vide, Marvão e Portalegre)
II. Orações, encomendações, ensalmos e esconjuros
Autor:  Ruy Ventura
Edição:  68 páginas
Estado:  disponível
Preço:  4,80 € (6% de IVA incluído) 
Recolha de património imaterial, ligado a oração e a cura, na região da serra de S. Mamede, Alentejo
http://apenas-livros.com/pagina/apenas_de_cordel/indice?id=528


O VERDADEIRO POETA
DA ARRÁBIDA É DEUS


Setúbal, 20 de ago 2013 (Ecclesia)

O verdadeiro poeta da Serra da Arrábida “é Deus” considera o professor e escritor Ruy Ventura referindo-se ao local em Setúbal, que inspirou obras portuguesas.

Para o docente “esta serra é por si só um poema” e “os autores que têm escrito sobre ela apenas a têm interpretado e colhido a sacralidade que envolve todo o espaço”, afirma em declarações à Ecclesia, notando que a Serra da Arrábida “não se oferece logo na primeira visita” mas necessita de “constante revisitação”.

Ruy Ventura recorda Frei Agostinho da Cruz e Sebastião da Gama como dois poetas que usaram como inspiração o misticismo da Arrábida: a poesia de Frei Agostinho da Cruz “artisticamente é muito mais construída”, enquanto que a de Sebastião da Gama “é como se fosse um diamante por lapidar.”

O poeta Ruy Ventura não deixa de notar que a poesia de Sebastião da Gama “precisa urgentemente de uma edição completa” revelando a existência de “dezenas de poemas inéditos”.

“A saudade é a síntese entre a esperança e a memória” é a frase declamada por Ruy Ventura para explicar a conotação de “altar dos poetas” que atribui à Serra da Arrábida, tendo em conta essa saudade que é “a memória do passado e a esperança num futuro sempre mais elevado”.

Setúbal, 21 de ago 2013 (Ecclesia)

O professor Ruy Ventura afirma que a obra do Frei Agostinho da Cruz sofreu uma “mudança”, originalmente de uma “produção profana” para se tornar num poeta “profundamente religioso”.
Frei Agostinho “nasceu no dia de Santa Cruz de 1540 e tomou hábito no mesmo dia em 1560, no convento de Santa Cruz de Sintra”, declara Ruy Ventura ao programa Ecclesia, dando conta de que este autor foi “sobretudo um professor da Cruz” professando uma “grande devoção à Cruz de Cristo”.
“É um poeta da meditação”, revela o professor, notando que Frei Agostinho da Cruz “viveu numa época muito conturbada” e muito “semelhante á nossa”.
Ruy Ventura não deixa de apontar que Frei Agostinho abandonou o “mundo material para se ligar ao mundo espiritual”, resultando o seu trabalho “numa poesia de opções”, onde o autor “vê o mundo vão e prefere o mundo espiritual”.
“Serra sagrada” é como Ruy Ventura define a serra da Arrábida, em Setúbal, que serviu de grande inspiração a Frei Agostinho.



http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?id=96672


COMENTÁRIO DE UM LEITOR:

 Vou pedir ao Ruy Ventura que me permita um comentário de simpatia à sua inspirada frase de que “O verdadeiro poeta da Arrábida é Deus”. Como acontece com Assis, Capri, Corcovado e outros raros espaços do orbe, a Arrábida é um topos especial. Um lugar que é muito mais que um espaço físico. É comum o visitante sentir ali uma coceirinha mística que teria vontade de exprimir da maneira mais própria. Vontade que na maior parte dos casos fica no balbucio ou no silêncio místico de contemplação, na admiração e no espanto. Vontade que termina por se reduzir a uma impressão indizível, ou a um estranhamento íntimo que não encontra na palavra uma sintaxe racional que exprima totalmente a impressão registrada na alma. Poetas de renome como Frei Agostinho da Cruz, António Manuel Couto Viana, Sebastião da Gama e outros cantaram a mística serra. Através da linguagem escrita deixaram impressões, canções, elegias, exclamações, saudades. Mas uma coisa é a retórica estilística com finitos giros oferecidos pela língua literária e comum e outra coisa é a realidade em si da Arrábida e a força íntima que dela se desprende. Neste caso, declarada a limitação da linguística verbal, resta pedir a intervenção da semiótica para que com base em sinais e indícios ela própria construa outro tipo de linguagem que melhor exprima a sensação ou a impressão mística com que a Arrábida nos enche o coração. Dentro desta perspectiva parece ser inteiramente pertinente lembrar e repetir a feliz frase de Ruy Ventura quando diz que “O verdadeiro poeta da Arrábida pe Deus”…Explicando melhor: o espectáculo da natureza e o encantamento da Arrábida é de tal ordem que não há poeta que tenha uma linguagem própria e capaz para exprimir as grandezas transcendentes da Arrábida. Esse espectáculo, convertido em linguagem, mostra que ali só há um poeta com dicção própria: seu Criador, Deus. Quando o franciscano S. Boaventura escreveu o ” Itinerarium mentis in Deum” (Itinerário da mente para Deus), em pleno século XIII, estava nos dizendo que o mundo é não apenas um espelho de Deus mas também um caminho cheio de sinais para o reconhecer como seu Autor. A mesma tese que Ruy Ventura nos está lembrando em bom português, ao exaltar a Arrábida como uma das maiores belezas de Portugal, ao dizer que:”O verdadeiro poeta da Arrábida é Deus.”

João Ferreira

Brasília,10 de setembro de 2013
 http://circuloantoniotelmo.wordpress.com/2013/09/10/ruy-ventura-na-agencia-ecclesia/


António Carlos Cortez (2013)
"Ruy Ventura - Falas, figuras, cenas"
Jornal de Letras, de 26 de Junho: 13.

Leia a versão longa do texto aqui.




António Carlos Cortez

Ruy Ventura:

o poema como espectáculo
(do mundo)

 

«Contramina é uma tessitura de fios que se entrecruzam em dois planos. Em primeiro lugar deparo com uma teia de figuras, na ordem das várias dezenas, que se constituem como que a urdidura basilar da tapeçaria. Tais personagens, que tanto têm de colectivas como de pessoais, parecem formar a constelação de base onde se podem lançar os fios da trama. Esses fios, que dão a textura deste aparato, são as falas das figuras. Figuras e falas são assim a tela e a trama desta peça, que apresenta ainda três citações, uma abertura e um fecho.»

         Assim se deverá ler, segundo escreve António Cândido Franco no posfácio a este livro de Ruy Ventura, este mais recente livro dum poeta que, nascido em 1973, publicou já Arquitectura do Silêncio; Sete Capítulos do Mundo; Assim se Deixa Uma Casa; O Lugar, A Imagem; Chave de Ignição e Instrumentos de Sopro. Este é, portanto, o sétimo livro de alguém que, aos querenta anos, se afirma como um autor poliédrico, ou melhor, como um poeta para quem a poesia é experiência da linguagem e não tanto a famigerada (ou equivocada) linguagem da experiência. Neste aspecto Ruy Ventura afasta-se de forma absoluta de certa voga poética que foi moldando o gosto e a prática da escrita nos últimos dez a quinze anos em Portugal, preferindo essa consciência linguística da palavra.

Se repararmos, Cândido Franco chama-nos a atenção para o facto de este livro se articular, no fundo, em torno de três semas-chaves, em torno de três palavras que são o princípio e o fim (a finalidade?) deste «contramina»: o livro é teia, e o texto é tecido e trama de falas e figuras. Não será por acaso que o fascínio da linguagem se exerce em função dessa lúcida noção do poema como texto-trama-tecido, numa barthesiana – mas bem assimilada – lição do texto como gramática de figuras que mutuamente se articulam e articuladamente são participantes de cenários. Diga-se de outro modo: Ruy Ventura experimenta aqui o que, para uma autora que lhe deve ser cara – Fiama Hasse Pais Brandão – era o poema como «área branca», área textual onde a tessitura do real se interpreta por meio da essência humana que a diz: as palavras.

Noutras ocasiões tinha já lido Ruy Ventura. Por exemplo, quando li Instrumentos de Sopro. Vi, por essa altura, a proximidade deste autor com Fiama, é certo. Mas também com certo Carlos de Oliveira, aquele que mais tangencialmente está dum telurismo que nada tem de Torga, mas deve muito ao universo vivificador dum João Cabral de Melo Neto. Não falo dum telurismo sequer religioso. Apetece-me, antes, relacionar essa vontade de recriação do mundo, tal qual a lemos em Ventura, com a vontade de criação dum mundo de palavras que é sempre, bem vistas as coisas, o mais alto desígnio da poesia. Se a nossa relação com o mundo se faz por meio da linguagem, o poeta afirma-se nesse telos único e talvez último que é o de saber que tudo começa e acaba nas palavras. Talvez por esse motivo Contramina  seja um livro armadilhado, mais do que qualquer dos outros livros anteriormente publicados por Ruy Ventura. E essa armadilha está no modo como a teia, a trama e o tecido são objecto de um tratamento a todos os níveis – apetece dizer - «operático», como se (e daí Fiama e Carlos de Oliveira), todas as cenas tivessem lugar no texto e não fossem pensadas para a representação de facto. A religiosidade que possamos ver nesta poesia é, neste sentido, a religiosidade própria de quem sabe que o fenómeno poético – como quis, em tempos, Jean Onimus – é um fenómeno essencialmente espiritual porque é essencialmente «de linguagem» e é na linguagem que figuramos o mundo e o podemos, se quisermos, subverter ou a partir das palavras compensar a falha estrutural do nosso ser e estar no mundo. Construir figuras; figurar, projectar imagens, eis o que o autor de Contramina nos convida a fazer.

A epígrafe de abertura, de genesíaca inspiração, será pois um bom modo de ler o livro, de aí iniciarmos o percurso. Encenação de vozes, Ruy Ventura terá lido «Frisos», de Almada Negreiros, para além desse já clássico «Seis Personagens à procura de autor», de Pirandello. Como o «Director» da peça do dramaturgo de Agrigento, Ventura poderia interromper, invectivar, aconselhar, criticar, elogiar, irritar-se, ironizar com as «falas» das suas personagens. Mas o que acontece é que estas falas-figuras, actuam para além do «Director»/autor «Ruy Ventura». As cascatas de imagens que cumprem – que são ditas – por cada uma das «máscaras» deste livro escapam à autoridade do autor. Por isso, naquilo que poderia ser lido como um primeiro acto deste livro armadilhado – a meio caminho entre o texto poético e o texto dramático – não nos espantemos por se iniciar da seguinte forma este livro:

«destroços emergem desta língua. outra língua, sem voz, ecoa nos lugares e em vozes dominadas pela perda.»

 Quem fala é «João». O do Apocalipse? Talvez sim ou talvez não. Mas importa mais, a meu ver, o que se diz, deixando em aberto a simbologia ou o «estatuto» de quem diz. Desde logo, ao assumir-se que de uma língua emergem destroços, o que se afirma é a força destruidora de um dizer que, feito destroços, pode, em todo o caso, emergir: isto é – ser mundo. É um dizer que reenvia aos átomos e minerais, substâncias geradoras da vida. Fala-se, nessa primeira voz, do «ouro enterrado na pronúncia da matéria». É justo que assim seja o primeiro movimento de leitura: é de poesia, parece-me, que este «João» vem falar. A poesia é sempre, para recuperar, Deleuze (mas não abusemos na consabida estratégia retórica da citação pela citação – e também aqui não haverá espaço para citar Walter Benjamin  - que fica sempre bem nestas ocasiões), essa linguagem de destroços, essa gaguez e estremecimento da fala quotidiana.

Se o livro de Ruy Ventura é ou está minado, a hipótese de o desarmadilhar será o de vermos como, por detrás das falas das personagens (de João Evangelista a Santo Agostinho, passando por Graça Morais, Zénon [uma personagem de Marguerite Yourcenar], Casaubon [personagem de Umberto Eco] e Orlando [protagonista do romance de V. Woolf], sem esquecer outras «figuras» como Manoel de Barros, poeta brasileiro, Carlos de Oliveira, Cosme Lourenço – um mestre de obras – Francisco Bugalho – poeta e lavrador – até Cesariny, Fiama e Fernando Pessoa, Sá-Carneiro ou Gabriela Llansol – e muitas outras figuras faltam neste elenco breve) se ergue, mais do que a figuração das figuras, a tessitura das falas. É como se, na verdade, cada fala/ cenário que as «máscaras» dizem pudessem ser, no fundo, destituídas de nome próprio, pois não importa, de facto, saber quem consuma o quê (que uma epígrafe de fecho restitui à origem crística, como sendo as últimas palavras do Nazareno, dizendo que tudo estava, então, consomado), mas saber sobre e como cada uma das falas a si mesma se vai consumindo nesse exercício de gaguez que é dar ao leitor a surpresa constante de um livro difícil, porque se lê a vida – a do próprio autor ou a de outros – de forma exigente.

E com razão podemos falar de um texto estranho cujo engendramento se faz por meio de uma permanente descoincidência entre fala e figura. Os sete quadros lírico-dramáticos que compõem este livro são, para um leitor ingénuo, quase sonhos, espécie de projecção de imagens, num processo de escrita que tem tanto de rigoroso como de alucinatório. Ao colocar-se em cena, no texto, na página, tanta voz, como equilibrar os diálogos? Como o pirandelliano Director? Como quem, sabendo de antemão o projecto de livro, quisesse dizer-nos que o que neste livro prevalece é a subversão do poético pelo lado dramático do tratamento do texto? Tratar-se-á dum livro citacional, sem mais? Ou, pela citação, promove-se uma espécie de viagem ao mundo entendido como texto, como se fosse possível – a Ruy Ventura – refazer o seu «Livro da Natureza»?

Sejamos mais radicais. Será talvez possível entender a experiência poética aqui presente como um degrau já percorrido pela história dos géneros literários, reservando-se Ruy Ventura o direito de, também ele,  contribuir para aquilo que pessoanamente poderíamos ver como a subversão total dos géneros literários, na medida em que o «modo lírico», o género poético é transfigurado em um modo outro. Nesse sentido, o autor «Ruy Ventura» é como que o veículo de transmissão das vozes que, autónomas, firmam um estranho pacto de leitura: contramina é um texto, é trama de vozes e é tecido de figuras que, em rigor, nos desautoriza a qualquer leitura segura, de tão minado que está este volume por uma pessoana e labiríntica rede de vozes que vivem pela voz do autor, diluindo-a e fazendo-a comparticipar desse jogo de vozes várias que, por diversas vezes, ir-se-ão revezando, como se esse teatro polifónico construísse um mundo explicativo dos mundos pertencentes ao universo de cada «personagem» que comparece na página.

É nesta perspectiva poliédrica, como se o livro fosse um poliedro de vozes, e fosse ele mesmo figura, que Contramina se torna esse «teatro especular» de que fala Cândido Franco. Mas esse teatro especular é, na verdade, teatro performativamente espectacular, pois é como espectáculo de vozes – e não como speculum de vozes (estas vozes não são o espelho das pessoas ou dos referentes que as disseram num passado longínquo ou recente, sejam elas «Agostinho» ou «Fiama») – que a escrita se n os oferece em todo o esplendor da sua performatividade. Não é por acaso que Ruy Ventura coloca uma voz como Gabriela dialogando com vozes como Amatus ou João. Sabemos bem quanto Amato Lusitano ou João, o evangelista, partilham entre si o nome - «João» - e quanto a questão no nome (só mais um dos múltiplos aspectos fascinantes num livro como este, estranho – e por trazer consigo a condição da literatura: causar estranhamento) se impõe como das que mais obsessivamente se jogam no fazer literário. De facto, perguntemos: quem no nome de quem e pelo nome de quem nos vem falar em Contramina ? E a resposta, lacunar, parcial e provisória só poderá ser – pelo menos para mim – a voz da própria Literatura, assim com  maiúscula.

É que, em rigor, a construção de vozes aqui presente, neste teatro espectacular e em cuja escrita as figuras se levantam para serem o que são: figuras; essa construção de vozes é um modo subtilmente terrorista de dizer aos leitores que já não há espaço, no mundo actual, para a palavra de poesia. Ou, dito de outro modo, que o mundo dito pelas palavras não tem de ser esse mundo que, nas palavras, se torna mais banal do que é. Ruy Ventura, cujo percurso «original e exacto» será de acompanhar sempre, é um desses artistas para quem o mundo real conta, para quem os dados sensíveis contam, mas aos quais convém dar o relevo que só a linguagem de poesia confere. Um relevo próprio da arte, pois se a arte é essa «contramina poderosa do inefável», é possível que um livro assim ponha em relevo um modo absolutamente radical de dizer a realidade do nosso mundo.

Nesse sentido, Ruy Ventura está muito mais próximo dessa linhagem poética que reenvia aos «filhos de Álvaro de Campos» (para terminarmos lembrando Eduardo Lourenço e aqueles que, segundo o ensaísta, souberam revolucionar a linguagem do romance nos anos 60 (na poesia ocorreu o mesmo, como sabemos, com poetas como Gastão Cruz, Fiama ou Herberto ou Ruy Belo)) recusando um realismo em poesia que, querendo ser do seu tempo, mais não é do que essa nota de rodapé dum processo poético que teve na reinvenção ou subversão dos géneros e da linguagem quotidiana os seus momentos mais fulgurantes.

Neste início de século, quando uma equivocada moda de poesia realista ou dita «da experiência» pretende ser o pensamento único na poesia, eis um livro que tem de ser lido naquilo que é: na sua linguagem lírico-dramática, no seu engendramento ou arquitectura exigentes que fazem das páginas as cenas teatrais de vozes que, vindas da tradição, agitam o nosso ser e estar aqui. E o ser e estar aqui, no caso de Ruy Ventura, é assumir que a poesia pode ser o lugar onde há uma espécie de epifania, de «visão interior», a mesma de que falam os seus mestres – mestres da linguagem – Herberto Helder, Cesariny, Fiama ou Carlos de Oliveira. A este último atribui-se uma das mais sugestivas expressões do que a própria poesia de Ruy Ventura pretende ser: poesia que tem a brevidade (a incisão?) da pedra. A pedra, não o esqueçamos, é o poema que está no meio do caminho, a palavra que se interpõe entre nós e o mundo sensível. Que o poema imite a «incerteza das palavras» é revelar quanto a poesia, sendo monumento de palavras, manipulação delas e construção dum mundo por meio delas, é sempre o falar incerto. O dizer, a dicção que se afasta dos que raramente se enganam e nunca têm dúvidas. Esses, os que corrompem a palavra e a tornam comércio e propaganda, nunca poderão ler o espectáculo do mundo. 

 
                                     Maio de 2013
 
(lido na apresentação de "Contramina" em Azeitão, a 24/5/2013;
versão longa de um artigo publicado a 26/6/2013 no "Jornal de Letras".)
Rui Lage

 “Sete Capítulos do Mundo”
Apeadeiro – revista de atitudes literárias, nº 4/5, Inverno, 2004: 203 – 207.

 
         “Sete Capítulos do Mundo” é o segundo livro de Ruy Ventura depois de “Arquitectura do Silêncio” (Difel, 2000, que foi distinguido com o Prémio Revelação da APE). A edição é da Black Sun, que, a par das Edições Mortas, sem alaridos e mediatismos, operando nas “margens” (nesse lusco-fusco onde a literatura é mais instável e vulnerável, e, por isso mesmo, mais maleável) tem vindo a dar a lume algumas das mais originais, inventivas – por vezes subversivas – soluções poéticas dos últimos anos.

         Este “Sete Capítulos do Mundo” é convidativo desde logo pelo seu formato: livro breve, não excede as trinta páginas que se lêem de um só fôlego, contrariando a tendência actual por parte de muitos dos “novos” poetas portugueses em olhar com desdém para todo o livro de poesia que se fique abaixo das oitenta páginas, como se já não fosse “livro”, como se um ritmo de produção febril fosse sinónimo de genialidade e o número de páginas tivesse alguma relação com a qualidade da poesia nelas contida. Na verdade, um livro de poesia extenso pode ser, em muitos casos, uma violência exercida sobre o leitor, um certo tipo de imposição. Outra forma de violência é o ritmo de publicação de alguns dos “novos” poetas, que bombardeiam os leitores que têm e os que não têm com vários títulos por ano. Pela sua brevidade, este último de Ruy Ventura traz de volta o prazer de ler um livro de poesia de fio a pavio. De resto, tem vindo a ser essa a prática da Black Sun e vem-se sentindo em tempos recentes uma vontade de voltar ao livro de poemas que se lê de um trago e que deixa ainda sede quanto baste para voltar a lê-lo quase de imediato.

         “Sete Capítulos do Mundo” é uma sequência de epifanias que se respiram, da primeira à última página, num só movimento poético. Ruy Ventura deu ao seu livro o sub-título de narrativa. No seu sentido original, a “narrativa” refere-se ao acto de “tornar algo conhecido”, e equivale a “história”, “acção” ou “fábula”. Trata-se pois de uma “narrativa” poética, lírico-biográfica, na medida em que estamos perante uma enunciação cadenciada, ritmada e progredindo por etapas que são variações sobre uma mesma intriga “lírica”, biográfica, confessional, e que “tornam conhecida” uma certa fruição e experienciação do mundo. Neste sentido, toda a poesia não-abstracta é uma “narrativa”. No caso deste “Sete Capítulos do Mundo”, o todo vale mais que as suas partes, o que se aplica, de uma forma geral, às boas “narrativas”, onde a coerência e a coesão são fundamentais e o encadeamento harmonioso dos “episódios” é, deixando de alguma literatura experimental, condição sine qua non.

         Estes poemas epifânicos são um prodígio de contenção e de economia linguística, maximizando os recursos expressivos e figurativos que assistem à enunciação poética. São poemas que se infiltram com vagar, com naturalidade, como se este livro fosse um pulmão luminoso que respirasse de forma regular e controlada – o controlo de quem já aprendeu, ao segundo livro, a domesticar o seu modo de dizer, a dirigir a sua voz.

         É evidente em Ruy Ventura a capacidade para criar imagens e metáforas sedutoras. Imagens e metáforas luminosas, subtis, à flor da pele. Eis um molho delas, escolhido ao sabor do folhear das páginas: “os ramos atravessam o mundo. / a luz cruza-nos na planície”; “a criança apanha uma réstia de sol / entre a rama dos canteiros”; “o relógio põe vírgulas nesta frase. / a pontuação que resta vem de algumas gotas de chuva.”; “como os plátanos, escondo uma viagem”; “inventava personagens guardadas no peito como numa carruagem”; “a trovoada desenhando a tarde”. O poema 45, tão breve quando belo, possui a mesma capacidade de um haiku de Bashô, de Issa, ou de Kikaku para capturar a luz do instante (Barthes chamava ao haiku, entre outras coisas, “emoção concentrada”, “instante de elite” ou simplesmente “silêncio”) no fluxo da eternidade: “somos todos uma espécie de beiral, / recolhendo a água. / projectando-a de novo / para a terra.”.

         A captura do “instante de elite” leva-nos a uma óbvia analogia com a fotografia. E, de facto, diferentes formas lexicais tendo por base a palavra “fotografia” ocorrem nestes poemas inúmeras vezes. A fotografia é testemunha de fenómenos, tem essa faculdade única de cristalizar num suporte físico aquilo que, num dado momento e num dado lugar, se encontra diante de nós. Mas não permite compreender melhor os fenómenos que testemunha, não os pode explicar ou decompor em fragmentos: é indivisível, assenta num pressuposto de integridade e de limpidez. É uma testemunha muda e, por isso, insuficiente (“fotografo tudo. / mas nada encontro / para revelar”). A poesia problematiza, indaga sobre essa essencial mudez do mundo; talvez não explique essa mudez, mas pode certamente dizê-la. A fotografia está presente, assiste ao acontecer do instante (“junto da figueira, o céu nasce / como numa fotografia”), mas não pode interrogá-lo. A poesia pode. Interroga permanentemente aquilo que não tem voz, o seu papel é pôr a pedra e o pássaro, a água e o fogo, a falar. Pode atravessar o coração das coisas e pode apenas, recatadamente, aflorá-las, medrar junto ou para além das suas mais difusas fronteiras, fazer do opaco espelho, forçar a linguagem secreta da natureza a articular-se: “nenhum retrato / permitirá entender. / as linhas desfazem o corpo que representam. / um chapéu esvoaça sobre o vale. / o fumo eleva a resina. / não a dos pinheiros. / a da seiva que se descobre / no limiar da casa”. Esta é portanto uma poesia de decifração e de revelação de fotografias da existência (“como um retábulo, / tento reconstruir a paisagem”), ainda que esbarre a cada passo na impossibilidade dessa decifração e dessa revelação – e sem ter sequer forma de saber se e quando alguma coisa é decifrada – como se não fosse possível ao sujeito imprimir numa representação nítida, lógica e consistente os instantes capturados pela fotografia e se tivesse que contentar com meros “negativos” da existência: “encontramos apenas a sombra, / quando queríamos a transparência. / será transparente esta fotografia? / os objectos falam – / do corpo que fomos. / prenunciarão outro caminho?” ou “os telhados estão demasiado limpos. / pouco dizem da água / e dos passos”.

         A recorrente imagem da fotografia (ou seja, da imagem de uma imagem, da representação de uma representação, de uma “mentira” no sentido platónico uma vez que se encontra pelo menos três graus abaixo do real, em suma, de uma espécie distinta de percepção do real a que chamaríamos a percepção poética) leva-nos, portanto, a uma problematização – se não angustiada pelo menos dorida – das representações mentais e afectivas do mundo cuja sede é o sujeito poético. A questão é expressamente equacionada no próprio texto poético: “deixei-me ferir por essa imagem”. É com este verso que começa o poema 15 de “Sete Capítulos do Mundo”, verso ao qual se segue uma dolorosa e belíssima epifania: “a dor alastra na garganta. / como o nevoeiro subindo a serra / numa manhã de outubro. / talvez fosse essa a sua função. / ferir para deixar uma cicatriz na pela – / para o futuro.” Será esta, porventura, a razão de ser da imagem ( que era, para Sartre, “um certo tipo de consciência”) formando-se na percepção (poética): a de deixar cicatrizes – pistas – para uma leitura íntima do mundo. Como se essas feridas se deixassem ler através da ponta dos dedos do pensamento, num exercício de “braille” poético. Há, pois, qualquer coisa de ascético nesta poesia: a tendência para o sujeito se tornar num recolector de imagens (ou de epifanias) que lhe indiquem um possível itinerário rumo ao auto-conhecimento, que lhe inventem um modo temporal para as ramificações possíveis da sua “narrativa” lírica: “os ramos atravessam o mundo. / a luz cruza-nos na planície. / entre as estradas, um outro itinerário / uma forma de cicatrizar as feridas”. As leituras desse “baille” poético são comandadas pelos altos e baixos-relevos do papel do mundo, pela sua rugosidade ou maciez, pelas suas saliências e fissuras, de acordo com os seus ritmos e com os seus ciclos. O sujeito poético (como, afinal, o leitor de poesia) jamais se banha duas vezes no mesmo texto, na mesma leitura, na mesma narrativa. Keats quis que ficasse para seu epitáfio “aqui jaz aquele cujo nome foi escrito na água”. Ruy Ventura diz algo parecido: “desenhamos uma palavra / ou apenas a água da ribeira?”.



Na sequência da apresentação do meu CONTRAMINA no dia 24 de Maio no auditório da Escola Básica da Brejoeira (Azeitão), cumpre-me o dever de agradecer:
- à colega Luísa Marques pelo convite e por todo o dinamismo;
- a toda a direcção do Agrupamento de Escolas de Azeitão, pela forma como aceitou este evento;
- à dona Edvirges, por ter posto na sala um pouco do nosso Alentejo;

- ao Nuno de Matos Duarte pela sua inteligente apresentação;
- ao António Carlos Cortez pelo ensaio enviado;
 - aos alunos, pais e professores que me honraram muito com a sua presença;
- a quantos, não podendo estar presentes, me acalentaram com os seus actos, as suas palavras (ou até com o seu silêncio cúmplice);
- a quantos, felizmente poucos, preferiram enaltecer-me de outro modo, dando razão a Steinbeck n' "A Pérola".
Bem hajam todos!

O EIXO E A ÁRVORE:
NOTAS SOBRE A SACRALIZAÇÃO
DO TERRITÓRIO ARRÁBIDO

 por Ruy Ventura
 

 
A Arrábida é que é o altar da Saudade.
Eu pu-lo no Marão porque sou do Norte.

Teixeira de Pascoaes
dirigindo-se a Sebastião da Gama


[…] saudade […] é a projecção espiritual
de formas corpóreas presentes.


António Cândido Franco

[…] não pretendo legislar, mas encontrar.

António Maria Lisboa

 
         Deveria ser obrigatório entrar em Sesimbra pela serra da Achada. Subir ao Facho de Santana, parar nesse lugar e aí, em contemplação, estender o olhar na direcção de todos os pontos cardeais, só depois descendo à vila pela estrada dos Argéis. A única alternativa possível consistiria na subida, a pé, até ao lugar abandonado – e tão belo e sublime – da antiga vila medieval, entrando nela pela Porta do Sol e dela saindo pela Porta da Azóia, não sem antes subir à mais alta torre do castelo. Só nesses dois lugares é possível obter a apreensão plena do espaço que, sucessivamente, foi chamado “Akra Barbarion”, “Cempsicum Iugum”, “Espichel” e “Arrábida”.

*

         Para quantos, de fora, se aproximavam há dois mil anos do espaço que hoje podemos designar como “Península da Arrábida”, esta terra singular, finisterra ou “fim do mundo”, era o “Barbarium Promontorium” e a sua serra o “Mons Barbaricus” (cf. Marques, 2009: 46 – 47). Estrabão, no século I antes de Cristo, em grego, chamou à região do Espichel “Akra Barbarion” (cf. Serrão, 1994: 33- 35), enquanto Avieno, por seu turno, lhe chamou “Cempsicum Iugum”, o que indica uma cadeia montanhosa e, talvez, uma povoação estabelecida na região com nome da mesma família, “Cempsibriga” (cf. Serrão, 1994: 32).

         Não excluo de todo as explicações latinas do vocábulo mais antigo. Para os romanos, esta terra deveria ser, de algum modo que desconhecemos, “terra estrangeira” (ou “terra estranha”, que a raiz é a mesma) (DLP, 99). Mas, tendo em conta os vestígios materiais e imateriais que comprovam – inequivocamente – uma forte presença semita, sobretudo fenícia e púnica, na região (fonte ou modelo de muita da cultura local, que diversas civilizações posteriores não conseguiram ou não quiseram apagar), tenho a obrigação de olhar os termos à luz das línguas e dialectos falados por esses povos vindos do Próximo Oriente e do Norte de África antes da nossa era. Sigo com escrúpulo a metodologia de análise toponímica que já apresentei noutras publicações (cf. Ventura, 2011: 15 – 19).

         Subjacente a “terra” ou “país estrangeiro / estranho” parece estar o temor provocado nos falantes pela situação de finisterra. Recordo que o topónimo “Espichel” significa “falésia do abismo” ou “falésia do inferno (do mundo inferior, dos mortos)”, pela aglutinação de duas palavras hebraicas: shpi (alto escalvado, falésia) e sh’l (DFP, 245 e 251). Já Moisés Espírito Santo notou tal leitura (cf. DFP, 76) que, tendo plena confirmação material no terreno, deve ter designado todo o espaço que vai do Cabo ao fim da Arrábida pelo menos até ao século XII, como indiciam documentos dessa época (cf. Ventura, 2011: 53) e a tradução desse nome, para latim ou português, na designação duma praia situada na costa sul da região, a curta distância da “Pedra do Frade”: a “Praia do Inferno” (cf. Cardoso, 1994: 8). Não me parece, assim, que os termos “barbarium” ou “barbaricum” tivessem que ver com qualquer rudeza dos habitantes da região, como por muitos lados se tem escrito.

         O termo parece ter sido, antes, uma adaptação à fonética das línguas grega e latina da voz semita que se usaria correntemente. Na base de “barbarion”, “barbaricum” e “barbarium” parece estar a aglutinação, mais uma vez, de termos hebraicos. Como é usual na toponímia antiga e tradicional, descrevem o terreno e/ou as suas funções, sem qualquer fantasia ou lirismo. Recordo que as designações do espaço são sempre lógicas, materiais, funcionais e/ou descritivas. Afiguram-se-me três hipóteses neste momento (DFP, 113):

         a) br (campo aberto, vazio, puro) + brg (passar, desaparecer, fugir);

         b) BR (id.) + BRK (orar, venerar, abençoar);

         c) br (id.) + br’ (desbravar, arrotear).

         Ou seja, os termos usados na Antiguidade Clássica para nomear o Espichel e a Arrábida significariam “campo aberto/vazio [por onde] se passa”, “campo aberto/vazio, abençoado/sagrado, onde se reza” ou “campo aberto/vazio, desbravado/arroteado”.

         Quanto a “Arrábida”, seria, como alguns autores já apontaram, apenas uma “cadeia de montes” (cf. Marques, 2009: 46) e pouco do que por aí se tem afirmado, com pouca sustentação material ou contextual.

         Veja-se. Na mesma língua fenícia/púnica, onde se utilizou grande parte do vocabulário antigo do hebraico e do aramaico, há um nível material que se confirma nas palavras. Por um lado, temos HR, “monte ou serra”; por outro, RB, “grande”; e, por fim, DA, “esta” (DFP, 117, 128, 220). Logo, “serra grande esta”, HR RB DA… que poderia ser entendida ainda na sua função geográfica ou social de fronteira, HR BD, pois BD significa “separação” (DFP, 110), ou na sua função religiosa – provavelmente relacionada com os santuários fenícios-púnicos que os arqueólogos descobriram em Alferrara ou na serra do Risco, à vista de Abul (cf. Gomes, 2001), – como local onde permaneciam sacerdotes transmissores de oráculos, BD ou BAD (DFP, 110).

         Há uma leitura aceitável do topónimo antigo “Cempsibriga” que não devo ignorar. É provável que um dos locais de vigia da região se situasse algures nas proximidades do castelo de Sesimbra, talvez no castro de que ainda subsistem vestígios apreciáveis num morro a nascente dessa construção medieval. Os “Cempsos” talvez fossem conhecidos assim pela vigilância que se exerceria, de forma privilegiada, a partir do seu território montanhoso e escarpado, o “Cempsicum Iugum” registado por Avieno (“Jugum” significa “cadeia montanhosa” ou “cabeço de uma montanha” (DLP, 371)). TZPIH em hebraico é um “posto de vigia” e TZPH significa na mesma língua “montar guarda / vigiar” (DFP, 234) (veja-se o ar de família com o verbo português “espiar”, que daí virá também…). TZPIH ZH seria uma maneira, dialectal, de dizer “esta vigia” (ou, em termos mais correntes, “esta atalaia”). “Cempsibriga” seria pois, em fenício ou púnico, a “muralha [de onde] se vigia”, pois “briga” nada tem que ver com o “celta” em Portugal, como alguns celtistas/germanistas muito propagaram, curiosamente sem nunca referirem fontes legíveis. Deriva do termo hebraico BRIG, que significa “muralha”, “cintura”, “travessa” (DFP, 113)…

         Concluindo, embora sem dogmatismos: na Antiguidade, o território arrábido estaria sinalizado por vários marcos linguísticos, com capacidade descritiva, que acabaram por identificar o território:

         a) um campo aberto, desértico ou vazio de gentes, pouco povoado, local de passagem, que os ocupantes romanos viram como “terra estranha”, talvez porque fosse considerado, pelos próprios autóctones, como local sagrado, de oração;

         b) uma finisterra, entendida como fim do mundo e, provavelmente, como fronteira dos infernos abissais;

         c) uma serra grande, talvez sentida como fronteira-separação e onde existiriam sacerdotes/profetas que proferiam oráculos;

         d) e, por fim, um local de vigilância amuralhada.

 *

         A esta realidade mais ancestral sobrepôs-se outra que a confirmou, reinterpretando-a e modificando-a, sem a adulterar. Ao inferior (inferno, abismo marítimo) e superior (montanha), à vigia/vigilância e abertura/passagem/deserto, ao vazio/sagrado, sobrepuseram-se outras realidades simbólicas de ligação entre seres e território. Os eixos mantiveram-se, mas – como num “eterno retorno” (Nietzsche) – transfigurados.

         O tempo – numa cronologia imemorial preservada pelas lendas, como fragmentos de um mito global – veio confirmar esta estrutura axial com rituais, legendas, construções e ocupações diversas.

         Aos dois extremos do eixo atribuíram-se nomes iguais, comuns, indicando uma identidade e uma comunicação entre os dois pólos: “Memória”. O substantivo abstracto colou-se a construções religiosas (oratórios/ermidas) que remontam à Idade Média (sécs. XIII e XIV), diminutas na sua expressão material, mas imaterialmente enormes, dada a sua ligação às narrativas da aparição nesses locais de esculturas sagradas, aí fixadas após deslocações misteriosas. Em qualquer delas, temos esculturas de síntese (femininas e masculinas, adultas e infantes, marianas e crísticas) que sobem, ascendem do mundo inferior, tenebroso, do mar, até um lugar alto, superior, montanhoso, numa acção sagrada, revelada aos homens por fenómenos luminosos/estelares. Seja na lenda de Nossa Senhora da Pedra Mua ou na narrativa de Nossa Senhora da Arrábida, a descoberta/invenção exige dos seres humanos uma compreensão da luz e/ou do sonho e um movimento de estranhamento, de peregrinação, complementares. Ao Espichel vai-se por via terrestre, seca. À Arrábida chega-se por via marítima, húmida. (Parecem termos alquímicos ou indicações iniciáticas…) Ao planalto ocidental, em cujo extremo ficaram gravadas as pegadas de uma burrinha, vai-se e retorna-se. Ao monte oriental sobe-se, fica-se e muda-se de vida, numa “metanóia” integral, rumo à ascese.

         De comum, permaneceu até aos nossos dias o ritual cíclico que todos os anos recorda os factos ou um voto imemorial: os círios. Os círios são um grupo (SHR, “grupo”) e uma acção de júbilo e convívio (SHR, “cantar”), concretizada no “canto” e na celebração cantada (SHIRH) (DFP, 248 e 252). Assim dizem as palavras vindas do fenício e/ou do púnico. Tal corresponde ao que os círios são, ainda hoje.

         Não podemos contudo esquecer que SHR é, também, “umbigo” e “cordão umbilical” – que podem, como se sabe, ser vocábulos que designam o “axis mundi”. Disso talvez nos fale o outro eixo, fixo numa terra do meio, situado rigorosamente a meio da linha simbólica que vai da “Memória” à “Memória”. Nesta linha tão importante implantaram-se ao longo de mais de dois mil anos, em épocas diferentes, marcos religiosos tão significativos quanto um bétilo (pedra sagrada semita, mais tarde cristianizada) (perto da Roça do Casal do… Meio, cf. Serrão, 1994: 101 – 102), uma azóia sufi (ainda hoje recordada na toponímia e em vestígios materiais encontrados (cf. AA. VV., 2009: 172 – 181)) e uma ermida dedicada à Senhora da Pinha (mais tarde chamada de “El Carmen”). E acabou por crescer, arborescendo, deitando ramos em direcção ao sul, por Sesimbra, penetrando baía adentro, e ao norte/noroeste, nomeadamente até Alfarim.

         Nada parece ter sido deixado ao acaso neste território sacralizado, unido pelo divino, que só as manigâncias políticas, ocorridas entre meados do século XVIII e a década de 70 do século XX, puderam dividir.

         Recorde-se que no centro simbólico da linha está Cempsibriga, o tal lugar que pode e deve ter sido de vigia/vigilância. Desse local, situado algures no vale, entre o cabeço do castelo e o castro, traçou-se um caminho directo até ao oceano (o que não significa geometricamente direito) e nele se elevaram vários santuários/edifícios marcantes, num percurso simbólico, de (re)ligação.

      O primeiro foi dedicado a São Sebastião – sede da irmandade leiga dos Terceiros Franciscanos, protecção da vila contra a peste, casa do “alter Christus” e avatar do “Deus dos Exércitos” (“Sabaoth”), na visão dos cripto-judeus. O segundo, igreja matriz, recebeu como orago Sant’ Iago peregrino, recordando a necessidade de purificação do ser humano, através do movimento e do estranhamento, e mostrando a jurisdição sobre a vila do freires espatários, mas também, metonimicamente, os dois “Filhos do Trovão” que quiseram ladear o Senhor no seu Reino. O terceiro, mais perto da praia, era a casa dos mareantes, do seu hospital e da sua confraria, capela dedicada ao Espírito Santo, a face feminina e bondosa de YHWH (“Shekinah”), e único lugar onde até hoje, em toda a região, se prestou culto legítimo ao Consolador. Por fim, outra construção colocada sob a protecção do filho de Zabedeu, dessa feita como guerreiro “mata-mouros”: uma fortaleza que defendia a vila das investidas da pirataria norte-africana.

         Para o outro lado dessa linha longitudinal que liga o Espichel à Arrábida parte outro eixo. É eminentemente feminino, pois parte da capela de Sant’ Ana (cristianização da Grande Mãe) até Alfarim, terra da Concepção – como, afinal, o seu nome indica. ALP (que se pode ler “alf”) é o “clã”, enquanto HRY significa “conceber” (DFP, 101 e 128). O nome da sua padroeira cristã parece confirmá-lo: Nossa Senhora da Conceição, aquela que vence as forças ctonianas/demoníacas pisando uma serpente simbólica.

         O vale de Sesimbra, entre o morro do castelo e o facho de Santana, é pois o eixo central de todo o território arrábido. Só no século XVI a mudança da povoação para a “Ribeira”, com consequente fundação de nova paróquia na década de 1530, parece ter deslocado aquilo que, provavelmente, práticas geomânticas de marcação do terreno ou de observação do espaço haviam distinguido/sacralizado há muito num alinhamento. Sem que algo se tenha perdido. Pelo contrário, creio ter acontecido um enriquecimento.

         Nesse local, entre o mar e o campo (a SHD que deu em “Achada” e significa “campo” (DFP, 246)), há mais dois elementos que reforçam – e de que maneira… – a sacralidade desse espaço com ocupação humana milenar.

         Vemos, por um lado, Sesimbra e os seus navegantes protegidos por “dois arcanjos” petrificados nos morros do “Arcanzil”, um a nascente, outro a poente da vila (Pitôrra & alii, 2011: 40 – 41). Os mensageiros/protectores duplos fazem lembrar as duas faces de Janus, deus das portas, das transições e das passagens, marcando a mudança do passado para o futuro, do baixo para o alto (DS, 530-531). Mas o termo, em si, pode vir do fenício-púnico HR KSL, significando “monte[s] [da] confiança” (DFP, 160), não sendo de excluir uma proveniência do latim “agger” (baluarte, elevação) (DLP, 43) ou do grego “árcho” (proeminência, grau elevado, chefe) (DE1, 296). Não deve também ficar na sombra o parentesco fonético e simbólico com os termos “arca”, “arco” e “arcano”.

         Por outro, temos a lenda do achamento da imagem do Senhor Jesus das Chagas, protector dos pescadores sesimbrenses (e não só). Essa narrativa coloca Sesimbra na rota da cruz, mas não de uma cruz qualquer. Trata-se de um símbolo com duas faces, sintético, como todo o seu território semeado de marcos simbólicos que conciliam os opostos. Lembro que a cruz é, para G. K. Chesterton, “o símbolo do mistério e da saúde”: […] embora tenha no centro uma colisão e uma contradição, pode estender os seus quatro braços para sempre, sem alterar a forma. Porque tem um paradoxo, no centro, pode crescer sem mudar” (Chesterton, 1958: 55). É, também, uma via luminosa e de testemunho, de sangue e de redenção – “per crucem ad lucem”, tal como na árvore (DS, 68) em que o eixo primordial acabaria por se transformar – e, igualmente, na opinião de Guénon, um símbolo de totalização espacial e de união dos contrários (DS, 325). A cruz de Sesimbra, de onde pende um Cristo Morto esculpido no norte da Europa na primeira metade do século XVI (infelizmente maculado por um restauro bárbaro executado por curiosos sem ética artística), quando sai em procissão é dolorosa e florida, morte e ressurreição, paixão e aleluia.

         O que mais interessa na lenda da invenção da imagem de Jesus crucificado é aquilo que tem sido menosprezado: o achamento do braço perdido na praia, como pedaço de lenha/madeira que só no fogo se revela, quando não é consumido pelo fogo. Tal como a Senhora do Cabo e a Senhora da Arrábida, saiu do mar, do abismo, do mundo inferior, vencendo-os para se dar a epifania. Recordo que o braço simboliza a força, o poder, o socorro prometido, a protecção, mas também a justiça (DS, 146 – 147), que é esta parte do corpo de Deus, em conjunto com a Sua mão, que dá a vitória ao povo de Israel (segundo as Escrituras). Mas o “braço”, se atentarmos no som da palavra, pode ser também BR ASH – “filho do fogo”, “nascido do fogo” (DFP, 106, 113) – ou BR’ ASH – “criação do fogo” (idem). Poderia o que era fogo ser queimado pelo lume?

         Além disso, o braço é de madeira, um pedaço de lenha. Temos aqui ressonâncias de uma relíquia, verdadeira ou suposta, da Santa Cruz ou do Santo Lenho – a que ainda hoje existe em relicário guardado na matriz de Sesimbra, transportada sob o pálio no dia da festa magna, a qual se supõe ser única na diocese de Setúbal (cf. Monteiro, 2002: 22). É que a solenidade do Senhor Jesus das Chagas calha na festa cristã da “invenção (descoberta) da Santa Cruz” por Santa Helena no Monte Calvário, 4 de Maio. A “madeira” dessa imagem, que não arde, lembra por seu lado a “mater”, que em latim é “mãe”, “causa”, “fonte”, “tronco”, “origem” e “pátria” (DLP, 407). “Madeira” e “matéria” são uma e a mesma palavra. Pegando nestes termos e no nome do Senhor Jesus, poderemos até dizer que são uma imagem espelhada da Portugal, cujo símbolo maior, como se sabe, são as chagas que Ele ostenta no nome e na escultura.

         Mas é preciso ir à procissão do Senhor Jesus das Chagas para reconhecer em Sesimbra o eixo religioso da região. O cortejo, com número muito significativo de fiéis, percorre quase em espiral as estreitas ruas da parte velha da vila durante mais de três horas. Nalgumas a enorme escultura quase nem cabe, mas lá vai passando e pisando o alecrim que as ornamenta como planta sagrada (a mesma com que os velhos de Alcabideche e da Caparica cobriram a primeira ermida do santuário da Pedra Mua), enquanto os devotos apanham e guardam ramitos da planta (que guardam como vestígios sagrados). No Largo da Marinha benzem-se os barcos e os pescadores – e a água sacralizada, benta, é agente de um ritual antigo de acalmação do mar, dessa potência imensa que representa as forças do abismo (DS, 623) e era cultuada como Neptuno na zona do Outão. É preciso dominar as ameaças com a cruz dupla, na sua morte e na sua ressurreição.

         O estranho é que há muito o cortejo não é só de sesimbrenses, mas de toda a região. As Chagas não se deslocam a outros santuários, mas em compensação, surpreendidos ou não, vemos na procissão das Chagas os círios/confrarias de outros locais de culto ancestral com os seus estandartes. Prestam vassalagem espiritual ao seu suserano, visível no símbolo duplo da morte e da vida. Vêm do Espichel (e, através dele, de todas terras que aí vão ou foram), das Pedreiras (cuja população venera a Senhora de El Carmen), do do Senhor do Bonfim de Setúbal, da Atalaia.

         Às Chagas, à sua madeira/lenho, à sua cruz da Quaresma e de Maio, da Paixão e da Invenção, da Dor e da Redenção (que é Ressurreição e Ascensão) – todos se rendem. Talvez porque Sesimbra e o seu vale sejam o eixo simbólico, arborescente, de todo um território que vai de Memória a Memória, da Concepção à Cruz e à Eternização – na Arrábida.

 
Dedico esta súmula, a desenvolver e aprofundar num trabalho futuro,
o senhor António Reis Marques, investigador sesimbrense
que muito me tem ensinado. Vejo-o, também, como ex-voto
ao Senhor Jesus das Chagas (Ele sabe porquê).
Azeitão, parcela perdida do concelho de Sesimbra,
em 13 de Maio de 2013.

        
 BIBLIOGRAFIA SUMÁRIA

 

1. Dicionários

 

Chevalier, Jean & Gheerbrant, Alain (1982) – Dictionnaire des Symboles. Édition revue et augmentée, Paris, Robert Laffont / Jupiter. [DS]

Espírito Santo, Moisés (s/d) – Dicionário Fenício – Português, contendo os glossários das línguas e dialectos falados pelos Fenícios e Cartagineses: cananita, acadiano, assírio e hebraico bíblico. 2ª edição, Lisboa, Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. [DFP]

Machado, José Pedro (1995) – Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Lisboa, Livros Horizonte. [DE]

S/A (2008) – Dicionário de Latim – Português. (3ª edição revista), Porto, Porto Editora. [DLP]

 

2. Outra bibliografia

 

AA. VV. (2009) – O tempo do Risco – Carta Arqueológica de Sesimbra. S/l, Câmara Municipal de Sesimbra.

Cardoso, João Luís (1994) – “O litoral sesimbrense da Arrábida. Resenha dos conhecimentos da sua evolução quaternária e das ocupações humanas correlativas”. Sesimbra Cultural, Sesimbra, nº. 4, Dezembro: 5 – 12.

Chesterton, Gilbert Keith (1958) – Ortodoxia. Porto, Livraria Tavares Martins.

Gomes, Mário Varela (2001) – “Divindades e santuários púnicos, ou de influência púnica, no sul de Portugal”. Os Púnicos no Extremo Ocidente, Lisboa, Universidade Aberta: 99 – 148.

Marques, Luís (2009) – Arrábida e a sua religiosidade popular. Lisboa, Assírio e Alvim.

Monteiro, Rafael (2002) – A Festa das Chagas, os painéis de Nuno Gonçalves e outros temas. S/l, Câmara Municipal de Sesimbra.

Pitôrra, Paulo (coord.) & alii (2001) – O que veio à rede… - Vocabulário, alcunhas e topónimos de Sesimbra. S/l, Câmara Municipal de Sesimbra.

Serrão, Eduardo da Cunha (1994) – Carta Arqueológica do Concelho de Sesimbra. Lisboa, Câmara Municipal de Sesimbra.

Ventura, Ruy (2011) – “Para uma carta toponímica da região de Aljezur”. Al-Rihana – Revista Cultural do Município de Aljezur, s/l, nº 5: 11 – 56.